Morreu Augustin Mawangu Mingiedi, líder dos Konono Nº1

Mundialmente conhecidos pela sua música frenética, os congoleses Konono Nº 1, que gravaram com Björk e lançaram um álbum conjunto com o português Batida no ano passado, viram morrer o líder. Tinha 56 anos.

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Augustin Mawangu Mingiedi na companhia de Batida Miguel Manso
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Augustin Mawangu Mingiedi em palco Catarina Limão - Crammed Discs
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Os Konono Nº 1 com Batida

O músico congolês Augustin Mawangu Mingiedi, líder do colectivo Konono Nº1, morreu na segunda-feira, dia 16, soube-se esta quarta-feira, através de uma mensagem deixada na página do grupo no Facebook. A mensagem esclarecia que o músico, de 56 anos, estava doente há meses e que o colectivo irá continuar a actividade. Não foram reveladas as causas da morte, mas sabia-se que sofria de diabetes.

Augustin tornou-se líder da formação depois da morte, em 2015, do pai e fundador dos Konono, Mingiedi Mawangu. Agora será o filho de Augustin – Makonda – a liderar o colectivo e a ser o principal tocador de likembé. No ano passado, os congoleses, que criaram toda uma nova música nos anos 1960, lançaram um álbum conjunto com o luso-angolano Pedro Coquenão, ou seja Batida, com o título de Konono Nº1 Meets Batida, tendo depois dado concertos em Portugal e na Europa.

“Ele estava doente há muito tempo”, reconhece Pedro Coquenão, dizendo que, “além dos diabetes” e “do pouco controlo sobre a medicação que tinha de efectuar”, havia a pressão das “viagens constantes pelo mundo” e a “ansiedade psicológica” provocada pela morte do pai e pela tensão de o substituir. “Havia dias em que se fechava muito por causa disto tudo”, conta Pedro, “e outros em que assumia a liderança do humor e do bem-estar entre o grupo”. Foi no ano passado, num concerto conjunto em Barcelona, que Pedro percebeu que o seu estado de saúde se deteriorara. “Ele fez o ensaio de som, mas depois acabou por ter de ir para o hospital e acabámos por fazer o espectáculo sem ele porque estava realmente mal como nunca vira.”  

Tinha uma personalidade “com muitas camadas”, afirma: "Por isso mesmo tivemos uma relação intensa que muitas vezes nem passava pela palavra. Sabíamos exactamente se a coisa do ponto de vista da música estava mesmo lá ou não, apenas com uma indicação do polegar”, lembra Pedro Coquenão, que esteve pela última vez com os Konono Nº 1, em Outubro do ano passado. “Convidei-os para fazer parte do meu colectivo no âmbito da Culture Clash que aconteceu no Coliseu. Achei que era um bom pretexto para fecharmos ali um ciclo de experiencias que tínhamos tido e eles acabaram por estar alguns dias em Lisboa.”

Foi a partir de 2005, quando Augustin começou a acompanhar o colectivo que o pai fundara em Kinshasa em 1966, que os Konono Nº 1 se tornaram conhecidos mundialmente. O embrião desse reconhecimento no Ocidente deu-se com o lançamento do álbum Congotronics Vol. 1 (2004), pela editora belga Crammed Discs. A partir daí actuaram um pouco por todo o globo, incluindo vários concertos em Portugal (os últimos, no ano passado, no âmbito do festival Lisboa Mistura e no Festival Musicas do Mundo de Sines com Batida), ao mesmo tempo que tocaram e gravaram com a islandesa Björk, colaboraram com uma das figuras maiores do jazz, Herbie Hancock, e receberam o apreço de nomes como Animal Collective, Juana Molina ou Andrew Bird, que recriaram o seu som no álbum Tradi-Mods vs Rockers (2010).

No centro da sonoridade orgânica, frenética e hipnótica do colectivo está um instrumento, o likembé, capaz de provocar melodias circulares por entre o frenesim rítmico percussivo. A singularidade da sua música fez com que tanto fizessem os palcos do circuito das chamadas “músicas do mundo”, como fossem aclamados por estetas da música electrónica de dança ou dos canais mais alternativos do rock ou folk.

“Eles sempre me fascinaram”, afirma Pedro Coquenão, realçando quer a sua sofisticação sónica quer o facto de fazerem parecer tudo muito natural. Em palco era Augustin que dirigia a orquestra. “Nos concertos em que não havia limitação de tempo era capaz de prolongar os temas até ao infinito e havia alturas em que se percebia que era uma forma de ele próprio respirar. Era muito engraçado perceber essa dinâmica. Para eles não havia distinção entre ensaio e o palco, a entrega era a mesma.”

Desde a edição desse álbum inaugural a meio dos anos 2000 até à actualidade não mais pararam, vindo a lançar o segundo registo de originais, Assume Crash Position, em 2010. Há dois anos, Augustin declarava ao PÚBLICO: “O maior presente que recebi foi a estrada percorrida e ver a nossa música partir para o estrangeiro e ser conhecida tão longe.” E acrescentava que a continuidade passava pelo envolvimento com outros músicos, daí a colaboração com Batida.

“O mais marcante dessa relação foi o período em que estivemos a trabalhar em Lisboa”, conta Pedro Coquenão. “Conversei muito com ele sobre as letras porque é algo a que não se dá muita atenção quando estamos perante música rítmica, mas se elas existem é por alguma razão. Houve um tema em particular que me chamou a atenção, o Bom dia, em que ele conta uma história à volta da perdição da indústria musical, e de toda a gente estar ansiosa. Ou seja, era uma forma saudável de ele gozar com o que via à sua volta.”

Durante o tempo em que esteve com os Konono Nº 1, Pedro Coquenão diz que “a sensação de estar em família” era inegável, “até porque é isso que eles são”. É isso mesmo. Konono Nº1 é essencialmente uma história de família, não surpreendendo que Augustin tivesse presente que o colectivo irá mesmo continuar depois da sua morte: “Eu toco em casa, os meus filhos tocam em casa”, dizia-nos em 2015, “e se eu ficar cansado um dia serei substituído por um deles, tal como eu substitui o meu pai”. A história de décadas dos Konono Nº 1 não acaba aqui.

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