Crianças desenham a dor para nos obrigar a vê-la

Caras tristes, seringas, enfermeiras e camas com grades são imagens recorrentes que as crianças hospitalizadas desenham para um concurso que quer “valorizar as queixas dos mais pequenos”. Nesta sexta-feira, 20 de Outubro, assinala-se o Dia Nacional de Luta contra a Dor. Olhemos então para ela

Fotogaleria
Desenho de Diana Venâncio (premiada em 2015, no escalão 9-12 anos)
Fotogaleria
Desenho de Diogo Dinis Carvalho Santos, sete anos
Fotogaleria
Desenho de Bianca Isabel Brás Pontes, oito anos
Fotogaleria
Desenho de Filipa Pinto Brandão, oito anos
Fotogaleria
Desenho de Afonso Henriques Freitas Abreu, oito anos
Fotogaleria
Desenho de João Diogo Tomásio Cachapa, sete anos
Fotogaleria
Desenho de Maria Leonor de Matos e Sobral do Rosário, 11 anos
Fotogaleria
Desenho de Paloma Vasconcelos da Costa, dez anos
Fotogaleria
Desenho de Pedro Afonso da Rocha Nogueira, dez anos
Fotogaleria
Desenho de Inês Nóbrega Oliveira, dez anos
Fotogaleria
Desenho de Ana de Sousa Gomes, dez anos

Como vêem os mais pequenos a dor? Desde 2005 que a Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED) desafia crianças hospitalizadas ou em tratamentos regulares a desenhar a dor. Para que lhe demos mais e melhor atenção. “Tratar a dor nas crianças continua a representar um enorme desafio para os profissionais de saúde e é um motivo de grande preocupação e aflição dos pais”, diz ao PÚBLICO Clara Abadesso, médica e coordenadora do Grupo de Dor na Criança e Adolescente da associação.

Por isso, distinguem trabalhos de crianças com idade igual ou inferior a 12 anos que se encontrem hospitalizadas em unidades de saúde nacionais ou que estejam submetidas a tratamentos em hospitais de dia. E assim nos obrigam a olhar para a dor dos mais pequenos.

Os desenhos desta edição podem ser vistos a partir das 10h desta sexta-feira no Hospital Pediátrico de Coimbra, na exposição Vou Desenhar a Minha Dor, a que se “associou um componente educativo e informativo para público em geral e profissionais de saúde”. Objectivo: “Chamar a atenção para a dor em pediatria.” A mostra será itinerante pelos vários hospitais do país.

Desenhar a dor ajuda as crianças a ultrapassarem-na? A pediatra responde: “Ao desenhar, as crianças conseguem descrever a sua experiência de dor de uma forma incrível. Através dos desenhos expressam-na nas suas várias dimensões.” São elas: “Física — que tipo de dor — dor associada a doença, a lesão ou traumatismo, a procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (ex. uma injecção ou punção venosa para colheita de sangue para análises ou colocação de um cateter), a localização, a sua intensidade (por vezes); emocional — quais as emoções associadas à dor; e cognitiva — significados que dão à dor, o que é que a dor as impede de fazer, que estratégias ou mecanismos as ajudam a lidar ou reduzir a dor.”

Outro aspecto relevante desta iniciativa que a médica aponta é o facto de, enquanto as crianças estão a desenhar, se focarem numa actividade que lhes é agradável e lhes activa o imaginário, distraindo-as, “isso pode ajudar a reduzir a dor”. Como normalmente os miúdos gostam de desenhar, as famílias aderem facilmente à proposta de o fazerem à luz de um tema que as afecta.

O concurso está dividido em três escalões etários: menos de seis anos; dos seis aos oito e dos nove aos 12 anos. Este ano, não houve concorrentes menores de seis, mas chegaram à APED 23 desenhos da categoria seis-oito anos e 38 desenhos da categoria nove-12 anos. Ao 1.º prémio corresponde um cheque-oferta de 250 euros, ao 2.º prémio, um de 200 e ao 3.º, um de 150. O patrocínio é da Bene Farmacêutica.

Clara Abadesso não se cansa de reforçar o propósito do concurso: “Para os pais e para os profissionais de saúde, é importante perceber como as crianças vêem a dor, como a sentem, como a expressam. Realça de facto a importância que é necessário dar à prevenção, redução e tratamento da dor!”

Para além dos fármacos

Sendo o alívio da dor um direito das crianças, também é “um indicador de qualidade dos serviços de saúde” e o tratamento deve incluir muito mais do que fármacos. Por isso na divulgação da exposição se lembra que “existem uma série de estratégias não farmacológicas que deverão ser empregues no dia-a-dia nos serviços de saúde para minorar o problema da dor”.

E, afinal, o que é a dor? A assistente hospitalar remete-nos para uma das definições oficiais da dor, da IASP — International Association for the Study of Pain: “Uma experiência multidimensional desagradável, envolvendo não só uma componente sensorial, mas também uma componente emocional, e que se associa a uma lesão tecidular concreta ou potencial, ou é descrita em função dessa lesão.”

E para uma outra, de carácter mais individual e subjectivo: “Dor é tudo o que a pessoa que a experimenta diz que é, existindo sempre que ela diz que existe” (McCaffery, 1979).

Finalmente, pelas suas próprias palavras: “É uma experiência individual, subjectiva e multidimensional. Não resulta apenas da parte sensorial, tem também a parte emocional, que é baseada no estado afectivo, experiências de dor passadas, etapa de desenvolvimento e muitos factores de ordem pessoal, cultural e até espiritual. Existe ainda a parte comportamental — como é que a pessoa vai reagir à dor, que também é muito variável e pode até condicionar uma amplificação ou redução da dor.”

Problema “incompreendido”

É importante estudar a dor? A especialista lembra que este é um “dos problemas médicos mais ‘incompreendidos’, subdiagnosticados e subtratados”. E valoriza a investigação científica dos últimos 25 anos. “Sabe-se mais sobre a neurobiologia da dor — como funcionam as vias da dor, como funciona o cérebro face à dor; sobre a natureza multifactorial da dor; das consequências a curto e longo prazo da dor inadequadamente tratada; formas de avaliar a dor através de escalas especificas; novos fármacos para o tratamento da dor; a importância e eficácia de estratégias não farmacológicas para o alivio da dor; a maior eficácia de um tratamento que utiliza tanto estratégias farmacológicas como não farmacológicas, a importância do tratamento multidisciplinar na dor crónica, etc.”

Clara Abadesso diz que “ainda há muito para fazer para que a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da dor sejam mais eficazes, quando se introduz na prática clínica o que já se demonstrou na investigação cientifica”.

O PÚBLICO tentou falar com concorrentes dos primeiros anos, agora adultos, mas não foi possível. A recusa veio por timidez e por falta de memória sobre o passado. Sinal de que pelo menos aquela dor passou.

Os vencedores desta edição foram:
Escalão seis-oito anos
1.º — Diogo Dinis Carvalho Santos,
2.º — Bianca Isabel Brás Pontes,
3.º — Filipa Pinto Brandão (todos do Hospital São João, Porto)
e também 3.º — Afonso Henriques Freitas Abreu (Hospital Dr. Nélio Mendonça, Funchal)

Escalão nove-12 anos
1.º — Maria Leonor de Matos e Sobral do Rosário (Hospital de Santa Maria, Lisboa) e também 1.º — Paloma Vasconcelos da Costa (Hospital do Barreiro – Montijo EPE)
2.º — Pedro Afonso  da Rocha Nogueira (Hospital São João, Porto)
3.º — Inês Nóbrega Oliveira (Hospital Dr. Nélio Mendonça — Funchal).

Foi atribuída menção honrosa a Ana Sofia de Sousa Gomes, 10 anos (Hospital de São João, Porto)

Sugerir correcção
Comentar