A endogamia e a gestão da carreira universitária

Parece-me, portanto, que os concursos abertos, transparentes e internacionais para recrutamento de professores do ensino superior em que o único critério seja o mérito, fazem todo o sentido e devem ser definitivamente adotados.

Num estudo revelado no PÚBLICO de dia 21 de setembro, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, conclui-se que um critério determinante nas contratações no ensino superior parece ser a filiação à casa e que esta forma de endogamia, limitando a importância do mérito como critério de seleção, é um sério problema para o ensino superior.

Esta é uma questão conhecida, como são conhecidas algumas das suas consequências. A sua quantificação é importante, mas não é fácil, até porque o conceito de endogamia não é unívoco: aquilo que é determinante é o local onde se obteve a licenciatura ou o mestrado e o doutoramento? Um docente que tenha tido um percurso, parcialmente externo e tenha, entretanto, regressado, como é contabilizado?

Mas seja qual for o critério, parece-me inequívoco que generalizar a prática de investigar ou ensinar na mesma universidade/faculdade em que se recebeu a formação académica de base não é, por regra, benéfico nem para o docente nem para a instituição.

Para o docente, porque desde logo não o expõe a outras culturas organizacionais, a outras formas de pensar e trabalhar, limita-lhe a criação de rede (tão importante no trabalho científico) empobrecendo, potencialmente, o seu percurso académico e, eventualmente, até a forma como ensina ou investiga.

Para a instituição, porque a torna mais homogénea, limitando a tensão geradora de inovação, potenciando a reprodução de métodos, formas de pensar, áreas de estudo, etc.

Parece-me, portanto, que os concursos abertos, transparentes e internacionais para recrutamento de professores do ensino superior em que o único critério seja o mérito, fazem todo o sentido e devem ser definitivamente adotados. O problema, contudo, é que não se distingue, nas nossas instituições, entre a abertura de novas posições e a promoção de quem já está na carreira, obrigando a que, para ser promovido, se tenha que estar sempre sujeito a um concurso aberto.

Ora, a promoção é uma das mais importantes ferramentas de gestão de recursos humanos e a academia, em bom rigor, não dispõe desta ferramenta. Um docente que está numa instituição e que contribui de forma claramente positiva em todas as vertentes em que pode e deve contribuir (investigação, ensino, divulgação de conhecimento e gestão universitária) pode nunca chegar a ser promovido o que não faz qualquer sentido.

Evidentemente isto não significa que a promoção deva acontecer por antiguidade, ou por qualquer outra razão que não seja o mérito, mas o mérito absoluto. A decisão deve estar sujeita a um crivo apertado de excelência, com recurso a uma avaliação por um júri externo e reconhecido, nos mesmos moldes em que se faz o recrutamento. Pode até vir a haver situações limite de up or out, mas deve existir um caminho de progressão sem que se esteja a competir com outros candidatos.

Sem querermos ignorar os riscos de uma certa cultura nacional em que este tipo de situação possa levar a que, ao fim de pouco tempo, esteja tudo encostado ao topo, o enriquecimento e maturidade da comunidade académica nacional, deve permitir-nos passar para um novo patamar de funcionamento.

Há ainda dois aspetos em que a separação dos processos de promoção de recrutamento é importante: por um lado, porque permite valorizar contributos dos docentes que muitas vezes não são transacionáveis (as funções de gestão podem ser muito valorizadas na casa e valer pouco num concurso a outra instituição) e, por outro, porque só assim se pode fazer uma efetiva gestão orçamental, já que o impacto orçamental de uma nova contratação é muito superior ao de uma promoção.

Todas estas razões são fortes motivos de enviesamento das decisões em concurso e inevitáveis desculpas para o favorecimento da endogamia. O combate à endogamia como forma de cristalização de instituições e de culturas é essencial, mas para isso pensamos ser também essencial distinguir, de um modo claro, entre recrutar e promover.

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