O Estado não é para todos

Ficava bem ao Governo assumir as suas responsabilidades pelas duas tragédias e pelo hiato de passividade entre elas. E, já agora, como sublinhou ontem Marcelo, pedir desculpa ao interior de um país abandonado pelos poderes públicos.

O primeiro-ministro reconheceu que há um problema estrutural na floresta e no sistema de prevenção e combate aos incêndios florestais que não se resolve em quatro meses. Mas se há algo que é por de mais evidente na repetição da tragédia de Pedrógão Grande é a conclusão de que nada se alterou para fazer face a esta conjuntura entre a fatídica noite de 17 de Junho e o último fim-de-semana. Pelo contrário, as previsões meteorológicas foram ignoradas, a confiança no mesmo calendário de sempre dos fogos florestais foi mantida e muitos meios de combate foram desmantelados.

Este falhanço do Estado é indesculpável. Só um falhanço desta dimensão, entre a ingenuidade e a negligência, poderia unir Paulo Rangel e Catarina Martins no mesmo coro de indignação. As críticas à Autoridade Nacional de Protecção Civil são extensíveis ao Governo em geral e à ministra da Administração Interna e ao respectivo secretário de Estado em particular. Não são as populações que têm de se tornar proactivas ou resilientes, na estapafúrdia linguagem dos dois governantes; é o Estado que dispõe dos meios e tem a missão de se preparar para evitar o que não pode ser encarado como uma fatalidade.

Se a demissão de Constança Urbano de Sousa não resolve o problema — e isso só por si não evitará uma nova tragédia —, a verdade é que a sua permanência é a continuidade do problema e não o início de uma eventual solução. A ministra já demonstrou que não está à altura de tutelar quer as mudanças conjunturais, quer estruturais, que organismos como a Protecção Civil exigem. Percebe-se a moção de censura do CDS-PP, à qual o PSD se juntará certamente, na medida em que a mesma interpreta uma generalizada indignação ampliada pelo discurso desculpabilizador que nos fala em fatalidade para ocultar a incompetência. Ficava bem ao Governo assumir as suas responsabilidades pelas duas tragédias e pelo hiato de passividade entre elas. E, já agora, como sublinhou ontem Marcelo Rebelo de Sousa, pedir desculpa ao interior de um país abandonado pelos poderes públicos.

A indignação não é apenas um sentimento das vítimas; a indignação é um sentimento que se vai generalizando e que, à semelhança do que aconteceu na Galiza, poderá sair à rua no mesmo dia em que o Conselho de Ministros estará reunido extraordinariamente e que ontem se plantou à porta do Palácio de Belém. O Estado é de todos e deveria ser para todos. Mas não é.

 

 

 

 

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