Costa no meio do fogo: ondas de choque dos incêndios atingem Governo

Ministros apreensivos com a gestão da tragédia, um PS aflito e o Bloco a distanciar-se. A conferência de imprensa de António Costa na segunda-feira deixou marcas.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

É grande a apreensão no Governo (e no PS) por causa do desgaste que o executivo está a sofrer e pela forma como o primeiro-ministro, António Costa, tem gerido as ondas de choque no país, devido às consequências trágicas da descoordenação no combate aos incêndios.

Membros do Governo consideram, em conversa com o PÚBLICO, que é absoluta a fragilização política da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e que a sua substituição é dada como adquirida.

Neste momento, é a figura e a autoridade do primeiro-ministro que é questionada pela opinião pública, admitiram ao PÚBLICO membros do Governo, porque existe a ideia de que nada foi feito pelo Governo desde que no dia 17 de Junho se iniciou a tragédia de Pedrógão.

No Governo, há quem defenda que Costa devia ter agido de outra forma no fim-de-semana, antecipando para ontem, por exemplo, o Conselho de Ministros previsto para sábado. Seria, alega-se, uma forma de acalmar o país e de mostrar que o Governo tem respostas para melhorar a eficácia do Estado no combate e à prevenção de incêndios – há medidas que estavam já a ser preparadas para serem anunciadas no sábado. E nem faltam as críticas ao ar aparentemente displicente com que falou ao país na segunda-feira à noite.

Choque no PS e...

Se, no Governo, se mantém a necessária discrição, já no PS não é assim. Ana Gomes foi a primeira: na segunda-feira, a meio do dia, a eurodeputada foi para o Twitter manifestar a sua indignação face à reacção do Governo: “Lamento, mas não percebi o @antoniocostapm! Não percebi! Ou o q percebi, não quero perceber!”

Contactada pelo PÚBLICO, Ana Gomes disse-se “chocada” com aquilo a que chama “maior tragédia da democracia portuguesa”.

Para a eurodeputada, a tragédia resulta “do falhanço do Estado e da sua captura por interesses”. “Um falhanço de políticas erradas com décadas, mas também de decisões erradas, ou de falta delas, mais recentes”, acrescentou.

“Quem encarna o Estado tem due assumir as responsabilidades do Estado. Tem de agir com cabeça fria, mas também de mostrar que tem coração!”, concluiu.

Manuel Alegre, sabe o PÚBLICO, é outro histórico que se tem mostrado perplexo com a actuação política de Costa em relação aos incêndios e vai tornar pública a sua insatisfação. 

Na bancada parlamentar do PS, admite-se que este “não é um caso de gestão corrente”, que “é uma tragédia nacional” e que “o primeiro-ministro geriu-a de forma burocrática, não como um líder político". Deputados como Sérgio Sousa Pinto e Ascenso Simões têm partilhado no Facebook imagens da tragédia com um lamento – “O meu país :( ”, escreveu o segundo.

Na Rádio Renascença, Francisco Assis considerou que “a reacção política” aos incêndios dos últimos dias “foi completamente desastrosa” e antevê que, demorando, “mais ou menos tempo”, a ministra vai demitir-se. “Inevitavelmente.”

Contactado pelo PÚBLICO, o deputado João Soares não comentou a actuação política de António Costa. “Procuro estar sempre do lado das soluções e não das complicações e estar a fazer comentário sobre isso era complicar. Agora, que isto não correu nada bem das duas vezes não correu”, afirmou.

O deputado disse ainda ter gostado do relatório independente sobre os incêndios de Pedrógão, que considera “sério” e que faz “uma muito boa análise da situação”.

Pela manhã, na TSF, o ex-dirigente Pedro Adão e Silva era mais duro: “Não gostei da comunicação [de António Costa]. Perante uma tragédia desta dimensão, o que espero é empatia, compaixão e reconhecimento da dimensão da tragédia. Estamos perante uma falha colossal do Estado na sua função primordial.” Depois, criticou o secretário de Estado do MAI por transmitir uma “sensação de abandono” e a ministra por ter falhado na mobilização de meios que evitasse nova tragédia, por ter responsabilidades no que aconteceu em Pedrógão e por mostrar ausência de liderança.

... criticas no Bloco

Catarina Martins apontou o dedo ao Governo num post no Facebook: “É indesculpável que se repita a tragédia depois de Pedrógão, porque é o sinal claro de que nada mudou, quando nada podia ficar na mesma.” Se a líder bloquista continua sem pedir directamente a queda da ministra da Administração Interna, centrando o discurso sobretudo na exigência de uma mudança de políticas no MAI, João Teixeira Lopes vai mais longe: “As declarações da ministra (as férias) e do secretário de Estado (as populações deviam ser pró-activas) são deploráveis. E o erro de se terem desmobilizado meios e ignorado as previsões meteorológicas é atroz e justificaria por si só a DEMISSÃO destes membros do Governo.”

No JN, Mariana Mortágua escreveu: “Em tempos de discussão orçamental, é de esperar que estas escolhas tenham o seu reflexo na distribuição dos meios financeiros do Estado.” Refira-se que no Orçamento de 2018 está prevista uma verba para a Protecção Civil 10% superior à deste ano, o que, consideram os bloquistas, não chega para fazer uma reforma a sério.

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