“Não há guerra” entre o PCP e o BE no Orçamento de 2018

BE e PCP rejeitam que haja um despique entre si em matéria de OE2018. Mas Catarina Martins diz que o PCP mudou de estratégia para a comunicação social depois das autárquicas. João Oliveira não nega, mas desvaloriza.

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A actual solução governativa foi negociada em 2015. O PCP considera que “este ano houve mais visibilidade da aproximação do Governo às propostas do PCP” Nuno Ferreira Santos

Com o Orçamento do Estado (OE) para 2018 entregue no Parlamento multiplicaram-se as notícias e as análises sobre os ganhos do BE e do PCP, os dois principais parceiros de aliança parlamentar de suporte do Governo do PS.

Catarina Martins, coordenadora do BE, afirma peremptória que “a questão não se põe em quem ganhou mais, essa é uma questão que preocupa apenas a comunicação social”. E garante que “o que se conseguiu foi o que estava nos acordos assinados pelos dois partidos em 2015 e aí o BE tinha uma série de questões enumeradas em anexo”.

A líder do BE reconhece, contudo, que este ano as negociações foram mais noticiadas e atribui isso a uma alteração da estratégia para a comunicação social do PCP, fruto da derrota que os comunistas tiveram nas autárquicas, em que perderam dez câmaras. “O PCP ficou preocupado com as eleições autárquicas, achou que precisava de ter mais visibilidade e Jerónimo de Sousa anunciou-o logo na noite eleitoral, ao dizer que as pessoas não tinham consciência de como os ganhos do PCP face ao Governo eram importantes”, defende Catarina Martins, para quem foi “essa percepção” que levou os comunistas “a mudar a estratégia de comunicação”.

João Oliveira, membro da comissão política e líder parlamentar do PCP, admite que este ano houve “uma visibilidade antecipada” do que foi negociado pelo seu partido com o Governo e reconhece mesmo que “talvez se tenha tornado mais evidente que o PCP as discutiu e deu um contributo para que fossem concretizadas”. E vai ao ponto de considerar que, “este ano, houve mais visibilidade da aproximação do Governo às propostas do PCP”.

O líder parlamentar do PCP garante que, embora “mais visível, a forma de acção do partido não é diferente” e assegura que só foi “tornado público o andamento das negociações, quando estas estavam fechadas”. Mas sublinha que esta “preocupação com a visibilidade da acção tem sido, e é, uma preocupação” do PCP que não nasceu depois das autárquicas. E declara: “Há uma referência que temos e que está presente - a necessidade de assegurar que a nossa acção e a nossa intervenção não sejam ultrapassadas por critérios de oportunismo.”

A título de exemplo, o dirigente comunista lembra que, “no ano passado, a negociação do adicional ao IMI foi conhecida antes de fechada, em fase de negociações preliminares”, quando “havia aspectos centrais que estavam a ser discutidos e que só ficaram fechados na especialidade”. E remata: “Nós nunca dissemos nada sobre negociações sem estarem fechadas e no ano passado fomos obrigados a falar sobre o IMI para os mais ricos porque a notícia saiu.”

Contudo, João Oliveira afirma que “não há despique com ninguém, nem nenhum critério dessa natureza na actuação do PCP”. Insiste na ideia de que “não há guerra com BE, nem nenhuma alteração de critérios e regras na actuação” dos comunistas. Também Catarina Martins rejeita a ideia de despique. “Sempre que o BE faz pressão sobre o Governo, a comunicação social acha que está em despique com o PCP”, critica a coordenadora do BE, sublinhando, porém, que, “para conseguir conquistas no Orçamento do Estado, não é preciso despique com o PCP". Voltando a apontar o dedo aos jornalistas e comentadores afirma: “Falar em despique é minimizar quer o BE quer o PCP.”

A questão é outra, considera Catarina Martins. “Temos que pressionar o Governo para obter resultados e fazer o caminho político. Temos de combater a percepção social de que recuperar rendimentos das pessoas é pôr o país em risco. É preciso criar uma consciência popular de que a austeridade não é a única forma de resolver os problemas do país.”

Além disso, a coordenadora do BE sublinha que “a negociação do OE2018 não foi feita só em 15 dias depois das autárquicas”. E exemplifica: “Os escalões do IRS, o descongelamento das carreiras, o aumento das pensões não são conseguidos em 15 dias. Nem o Governo nem nenhum dos partidos faziam isso, nem as contas da máquina do Estado ficam prontas em 15 dias.”

Professores e TSU

Reconhecendo que as conquistas orçamentais são obra de negociações e que estavam nos entendimentos assinados em Novembro de 2015, Catarina Martins não deixa de assumir que a vinculação de mais quase 3500 professores é uma conquista do BE. E refere: “Presumo que PCP também quer, pelo que não é feita contra o PCP.”

Contextualizando, a coordenadora dos bloquistas lembra que este “é um assunto do BE, porque o PCP se pôs de parte na vinculação dos precários”. E acrescenta que “os professores não entraram na negociação da admissão dos precários, porque tinham uma negociação de vinculação em curso”. Então, “o BE pediu que fosse agora”. E responde aos que criticam a medida: “Quem diz que a contratação é excessiva não tem em conta a idade dos professores que existem hoje no sistema de ensino público. Prepara-se um buraco geracional nas escolas.”

Catarina Martins salienta ainda outra conquista do BE: A baixa da TSU para as empresas saiu à última hora por imposição do BE.”

Pensões

Tema que mudou durante as negociações foram as pensões. Catarina Martins afirma que os aumentos conseguidos foram uma conquista “dos dois” partidos. Já João Oliveira sublinha queJerónimo de Sousa, na Festa do Avante!, disse que tinha de haver um aumento extraordinário de dez euros e o Governo acabou por aceitar” na fase negocial.

Catarina Martins explica que, “no ano passado, o aumento extraordinário custou mais de 200 milhões de euros; este ano custa apenas 30 milhões”. Ou seja, “este ano foi mais fácil” negociar. E advoga que o “aumento geral das pensões é uma vitória” do seu partido “também porque a lei do descongelamento das pensões era uma exigência do BE, desde a campanha eleitoral de 2015”. Explica que “o aumento geral é feito de acordo com o crescimento económico, como a lei prevê” e beneficiará “80% dos pensionista da Caixa Geral de Aposentações e 90% dos pensionistas do regime geral”, tendo um impacto orçamental de 350 milhões de euros”.

Subsídio de desemprego

João Oliveira sublinha que “há duas medidas no OE2018 que ficaram para a especialidade, a derrama do IRC e o fim do corte no subsídio de desemprego”. E lembra: “Insistimos muito nisso, há dois orçamentos.”

A vitória do PCP neste domínio é reconhecida por Catarina Martins: “O PCP tem reivindicado e, sem dúvida, trabalhou para isso.” Mas a coordenadora do BE não deixa de reconhecer os louros do seu partido. “Nós apresentamos um projecto de lei sobre o fim do corte no subsídio de desemprego na Assembleia da República em Janeiro e o PCP e o PS apresentaram em Fevereiro. O debate foi em Junho e, apesar do PS ter chumbado a nossa proposta, nós aprovamos a do PS, que apenas seguia as indicações do provedor de Justiça, defendendo que o subsídio de desemprego não podia ficar abaixo do limiar de subsistência”, explica Catarina Martins, resumindo: “Votámos a do PS, mediante o acordo, estabelecido então com o Governo, de que acabava para toda a gente no Orçamento de 2018.”

Derrama do IRC

Enquanto João Oliveira insiste em que a subida da derrama no IRS para as grandes empresas - uma negociação a fechar na fase de especialidade -, é uma prioridade para o PCP desde há dois anos, Catarina Martins lembra que esta “é uma proposta da direita, do anterior Governo”, já que, “na reforma do IRC, que o anterior Governo negociou com o PS de António José Seguro, ficou estabelecido que cada ponto que descesse a taxa do IRC aumentava a derrama para as grandes empresas”. E a coordenadora do BE recorda que, então, “a direita baixou o IRC, mas não aumentou a derrama”, acrescentando: “É isso que eles estão a fazer. É essa compensação que eles estão a dar agora.”

Mínimo de existência

Sobre o aumento do mínimo de existência, Catarina Martins afirma que correspondeu a “uma actualização da inflação e foi negociada pelos dois”. João Oliveira não desmente, mas faz questão de puxar pelos galões do PCP nesta conquista orçamental. “O mínimo de existência que foi conseguido tem impacto enorme, porque mais 400 euros de limite abrange centenas de milhares de pessoas, as que ficam isentas e também as que são beneficiadas pela influência desta medida sobre o IRS mais baixo”, defende o dirigente comunista, concluindo: “Estamos a falar das pessoas com os rendimentos mais baixos para quem o IRS diminui muito.”

Escalões do IRS

Já sobre o aumento do número de escalões do IRS, que o Governo terá fechado em sete, fruto das negociações com os dois partidos, João Oliveira reconhece que o PCP tinha “proposto dez escalões e Governo entendeu que era incomportável, do ponto de vista fiscal”.

Passando adiante desta semiderrota, o líder parlamentar do PCP garante: “Para nós, a prioridade era a diminuição do IRS para os rendimentos mais baixos e intermédios. Encontrámos a modulação de maneira que a progressividade de rendimentos deixe os mais altos com menos benefícios.”

E acrescenta que, quanto à base dos sete escalões agora estabelecidos, o PCP apresentou uma “alternativa que dava a redução de 300 euros no segundo escalão e em parte do terceiro”. E relata que o Governo não aceitou, mas “apresentou uma solução que respondeu às exigências” dos comunistas. “O Governo apresentou uma proposta em que foram decisivos os critérios do PCP.”

Quatro anos era “para agradar a Bruxelas”

Catarina Martins e João Oliveira rejeitam a leitura de que o Governo queria o descongelamento das carreiras da função pública em quatro anos para amarrar o BE e o PCP a compromissos que só terminariam na próxima legislatura. E ambos apontam a vontade de agradar a Bruxelas como explicação.

No final das negociações ficou decidido que serão quatro tranches de 25%, em Janeiro e Setembro de 2018 e de 2019.

“Mário Centeno propôs quatro anos, por estar convencido de que o país tem mais sucesso face a Bruxelas por ter metas do défice mais baixas”, defende a líder do BE, para quem “o ministro das Finanças está sempre a tentar limitar os benefícios para as pessoas, porque está sempre a tentar impor melhores metas para Bruxelas.” Por isso, diz, “o ano passado não foram gastos 1,6 milhões de euros para agradar a Bruxelas.”

Catarina Martins reconhece, contudo, que o mérito neste domínio coube aos sindicatos. “Sem prejuízo de que tem de ser negociada com os sindicatos, pois é uma reforma executiva e só o Governo tem margem negocial, quisemos que fosse só em dois anos, e não em quatro, antes do fim da legislatura.”

João Oliveira defende que “a restrição dos direitos tinha pura e simplesmente de ser eliminada, não havia razão para não ser imediata e ser em quatro anos”. E considera que a proposta do Governo “não tinha tanto alcance político” como amarrar o PCP e o BE à próxima legislatura. “Quatro anos tinha mais uma motivação financeira”, justifica João Oliveira, pois “deferia no tempo o impacto dos efeitos”. Mas conclui: “Chegamos ao final da legislatura com tudo feito.”

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