Com a expansão chinesa em jogo, cada vez mais fábricas estão a ficar às escuras

A campanha do Governo para limpar o ambiente está a ter danos colaterais. Há empresas a fechar e há quem considere que vai afectar o crescimento económico.

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Em algumas zonas do coração da indústria chinesa, uma iniciativa governamental para limpar o ambiente e reduzir a produção em excesso está a começar a ter consequências nefastas: as fornalhas estão frias e as luzes apagadas, e os trabalhadores migrantes voltam para as suas casas.

Liu Xiaoping, residente em Jinan, o extenso e poluído centro de fabrico de aço no Noroeste da China, faz parte dos danos colaterais da campanha do Governo. Num beco da cidade onde a maior parte das fábricas está fechada um dia de semana, diz que os funcionários do Governo ignoraram os seus pedidos de mais tempo para cumprir os novos regulamentos na sua fábrica de moldes de plástico, aberta há 20 anos. Quando ameaçaram cortar o fornecimento de electricidade, Liu fechou a fábrica antes que o pudessem fazer.

“Foi uma facada”, diz Liu, afirmando que o fecho, ocorrido a meio de Setembro, o deixou com um milhão de yuans (cerca de 130 mil euros) de equipamento parado e dez funcionários sem trabalho, numa cidade em que mais de sete mil empresas, rotuladas de “sujas e poluentes”, foram seleccionadas para reformulação ou fecho. “Nenhum de nós sabe o que fazer.”

Embora possa ser fraca consolação para Liu, o impacto dos esforços para reduzir o volume industrial está a ser uma faca de dois gumes – os lucros das fábricas têm disparado e a inflação instalou-se na indústria, o que deu um muito necessário impulso às empresas endividadas. É esperado que os números do PIB relativos ao terceiro trimestre mostrem que a segunda maior economia do mundo continua de boa saúde, projectando-se um crescimento de 6,8%, segundo vários economistas contactados pela Bloomberg.

E a acreditar nas palavras de Zhou Xiaochuan, governador do Banco Popular da China, mudanças na economia que favoreçam o consumo em detrimento do investimento e das exportações podem resultar num desempenho ainda mais forte. Discursando em Washington no domingo, Zhou afirmou, segundo uma fonte, que acredita na possibilidade de um crescimento de 7% na segunda metade do ano.

A inflação também continua a manifestar-se na China, com os preços praticados pelos produtores em Setembro a mostrarem uma subida de 6,9% relativamente ao ano passado, revelaram dados tornados públicos na segunda-feira.

Contudo, as consequências provocadas pela reestruturação industrial podem vir a intensificar-se. Os economistas estimam que o crescimento deverá abrandar para 6,4% no próximo ano e 6,1 % em 2019.

Para a cúpula da liderança chinesa – reunida esta semana para o 19.º Congresso do Partido Comunista – a limpeza dos céus tóxicos e dos rios imundos tornou-se uma prioridade. Em contraste com a abordagem de “crescimento a todo o custo” dos seus antecessores, o presidente Xi Jinping e o seu primeiro-ministro declararam guerra à poluição, decisão impulsionada pelas crescentes queixas de cidadãos envoltos em smog que chega a ser 50 vezes mais tóxico do que o nível máximo que a Organização Mundial de Saúde considera seguro para a saúde.

Essa vontade política coincide com a necessidade económica de controlar a produção excessiva de aço, alumínio e outras matérias-primas, depois de anos de investimento maciço. Como e quando vai acontecer a substituição desse volume de produção serão factores-chave do comportamento da economia chinesa para lá de 2017.

“A última vez que vimos este tipo de esforço para reduzir a produção industrial foi no final do século passado, quando o primeiro-ministro Zhu Rongji estava determinado em fechar as empresas estatais que davam prejuízo”, disse Tao Dong, vice-presidente para a Grande China [China continental, Hong Kong, Macau e Taiwan] do Credit Suisse Private Banking, em Hong Kong. “Haverá consequências a curto prazo no crescimento e no emprego, mas são difíceis de quantificar neste momento, pois tudo depende de se após o Congresso do partido a política de controlo da produção continuará em vigor.”

Os cortes na produção estão a fazer-se sentir por todo o país, e as autoridades estimam que possam levar ao encerramento de centenas de milhares de pequenas empresas. As empresas estatais também não escapam aos cortes, mas nestas o impacto é mais reduzido por decisão governamental.

A Jinan Steel, unidade da Shandong Iron and Steel Co. com cerca de 20 mil trabalhadores, foi uma das empresas onde as fornalhas foram desligadas em Julho. Muitos funcionários foram, porém, transferidos para outra fábrica do grupo na cidade costeira de Rizhao, a quatro horas de distância. O primeiro-ministro, Li Keqiang, visitou a empresa em Abril e disse aos trabalhadores que, embora o encerramento fosse duro, o país trabalharia para assegurar que seriam transferidos para novos postos de trabalho.

Documentos financeiros internos mostram que a empresa planeou produzir menos gusa e aço este ano do que no ano passado. A empresa não respondeu nem às chamadas telefónicas nem aos emails com pedidos de comentário.  

No distrito de Zouping, a cerca de duas horas de carro de Jinan, a China Hongqiao Group Ltd., a maior fundição de alumínio do país, afirmou em Agosto que iria reduzir a capacidade de produção anual em 2,68 milhões de toneladas métricas, cerca de 29% do total. Em resposta às perguntas da Bloomberg, um porta-voz da Hongqiao disse não ter havido despedimentos, reformas antecipadas ou folgas obrigatórias na empresa.

E mais interrupções pairam no horizonte: na segunda-feira, a Agência de Notícias de Xinhua revelou que, para combater a poluição, o governo de Jinan irá suspender nos próximos meses a maior parte das construções que estão a decorrer.

No seu último relatório, que compila informação sobre mais de três mil empresas, a China Beige Book [plataforma de análise da economia chinesa] afirma que o progresso na redução da dívida e da produção industrial se está a revelar difícil de atingir e que as fábricas de aço continuam a aumentar a produção enquanto podem, antecipando um conjunto separado de limitações temporárias à produção, que serão levadas à prática no Inverno e pensadas para reduzir a poluição.

Isto pode estar a acontecer porque as fornalhas que restam estão a fazer horas extraordinárias. A Morgan Stanley estima que a redução líquida da produção de aço – contabilizando as fábricas novas, bem como as que foram encerradas – atingirá um total de quase 200 milhões de toneladas entre 2016 e 2017, o que excede os 130,5 milhões de toneladas do Japão e não fica longe dos 222 milhões de toneladas da União Europeia.

Na última vez que o país passou por uma onda de fusões e encerramentos de empresas estatais moribundas, no fim dos anos 90, pela mão do então primeiro-ministro Zhu, a medida permitiu limpar as folhas de balanço das empresas, aumentou a eficiência e abriu caminho para o boom económico da década seguinte, afirma Cui Li, directora de pesquisa macroeconómica da CCB International Holdings Ltd., de Hong Kong.

A medida sazonal pode fazer abrandar o crescimento em 0,25% nos próximos seis meses, estima o Société Générale. Em Julho, o Ministério de Protecção Ambiental disse que até 176 mil empresas seriam encerradas em Pequim, Tianjin e Hebei até o final de Setembro. Com o aproximar do Congresso do partido, há ainda um ponto de interrogação sobre as políticas industriais e ambientais do país a longo prazo.

“A curto prazo, medidas de protecção ambiental mais rigorosas estão condenadas a diminuir o crescimento”, diz Frederic Neumann, co-director de pesquisa da economia asiática no HSBC Holdings, em Hong Kong. “A renovação das lideranças que irá ocorrer é uma oportunidade para a revisão da agenda política a médio prazo. Isso pode levar a um enfoque ainda mais acentuado nas questões ambientais e na gestão de riscos potenciais no sector financeiro.”

Mesmo antes do ataque às empresas mais poluentes ter ganho força nos últimos meses, o esforço para reduzir a produção industrial já excedia as expectativas de muitos analistas, tendo contribuído para uma recuperação dos preços dos metais à escala mundial, uma subida acentuada dos lucros das fábricas chinesas e um frenesim à volta dos stocks de mercadoria. As indústrias em consolidação representam metade do investimento total em activos fixos, de acordo com Cui. A indústria de materiais, incluindo o ferro e o aço, tem sido a mais atingida, diz.

Shandong está entre os locais mais afectados pelos danos colaterais, e os habitantes, a braços com a subida do desemprego e a descida dos salários, estão inseguros quanto ao futuro.

A aldeia de Hushan, em Zouping, era um centro de reciclagem de borracha até que os funcionários do Governo fecharam tudo de uma vez no mês passado. Numa tarde de quinta-feira, vêem-se torres de pneus com a altura de dois andares à porta de oficinas inactivas, e há fábricas fechadas a cadeado.

No minimercado de Liu Shuhua, localizado numa rua tranquila à saída da aldeia, amontoam-se cigarros, bebidas e snacks que antes os trabalhadores migrantes faziam esgotar. Liu diz que as vendas caíram 50% e teme que isso seja permanente.

“É impossível dizer que não estou preocupada. Pelo menos metade da população foi afectada por estes fechos.”

Alguns acreditam que as oficinas irão reabrir depois de passarem em inspecções ambientais. A família de Liu Qingyong ganhava seis mil yuans [cerca de 770 euros] por mês a reciclar pneus velhos e agora está sem rendimentos.

“Os encerramentos são todos temporários. Mais tarde ou mais cedo volta tudo ao activo”, diz esperançosamente.

O município está a tentar arranjar uma solução para as oficinas de borracha, tendo convidado uma empresa de Pequim para discutir um plano, segundo uma declaração no seu site: “O encerramento não é uma decisão final, mas é necessário inovar e contribuir para um ambiente mais limpo.”

Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg

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