Compra da TVI: ERC fala em riscos para o pluralismo, a Altice em benefícios para o país

Depois dos alertas da ERC sobre a compra da Media Capital, a Altice diz-se disponível para ajudar a AdC a aprovar a operação, mas não explica como. E acusa a concorrência de instrumentalizar os órgãos de comunicação social.

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Cláudia Goya, presidente da PT, e Michel Combes, presidente da Altice Nuno Ferreira Santos

A Altice divulgou esta quarta-feira um comunicado em que responde a preocupações levantadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre os "vários riscos para o pluralismo no sector da comunicação social" do negócio de compra da Media Capital. Na mesma nota, a empresa volta a criticar a “pressão sem precedentes que impendeu sobre os reguladores nas últimas semanas, por parte de concorrentes” seus.

Na terça-feira, ficou a saber-se que a ERC enviou à Autoridade da Concorrência (AdC) uma decisão de não oposição ao negócio de compra da TVI, por impossibilidade de consenso entre os três membros do conselho regulador. Embora dois dos membros (Arons de Carvalho e Luísa Roseira) tenham votado desfavoravelmente o negócio, em linha com o parecer negativo que foi emitido pelos serviços jurídicos da ERC, o voto favorável do presidente, Carlos Magno, impediu que a entidade pudesse assumir formalmente uma posição negativa sobre esta concentração, passando automaticamente a análise para a AdC.

Ainda assim, em comunicado, a ERC reconhece que “a operação não permite antever benefícios em prol do pluralismo no sistema mediático português”.

O alerta levou a Altice a enviar uma nota às redacções (“em resposta ao comunicado de hoje por parte da ERC”), em que se diz “totalmente disponível para colaborar construtivamente” com a Concorrência, “de forma a levar o procedimento regulatório relativo à Media Capital a uma conclusão positiva”.

O PÚBLICO questionou a Altice sobre se está na disposição de aceitar que a AdC imponha condições ao negócio de compra da Media Capital, mas não obteve resposta. Em Julho, quando fez o anúncio preliminar de oferta pública de aquisição (OPA) pelas acções dispersas da Media Capital, a empresa já traçava uma série de linhas vermelhas sobre o que é, ou não, aceitável para que o negócio se concretize. E rejeitou logo à partida uma vastidão de remédios estruturais que a entidade reguladora pudesse aplicar para prevenir eventuais constrangimentos concorrenciais.

Segundo a empresa, é preciso obter “uma decisão da AdC, na qual esta declare que a decisão de não oposição foi obtida (incondicionalmente ou sujeita à implementação de quaisquer remédios comportamentais (que não envolvam desinvestimentos) considerados necessários para a obtenção da não oposição)”. Mas estes remédios, ou condições, não podem ter “um efeito material sobre o valor da sociedade visada ou das actividades da sociedade visada nas áreas de radiodifusão televisiva, radiodifusão, entretenimento digital, produção audiovisual, produção musical, produção de conteúdos, ou o valor da actividade do oferente [a PT/Meo] em Portugal.

Operação com "vários riscos"

Na terça-feira, o vice-presidente da ERC, Arons de Carvalho, adiantou ao PÚBLICO que o parecer “muito bem fundamentado” dos serviços jurídicos da ERC “é muito crítico e descreve exaustivamente os riscos da operação” de compra da Media Capital pela PT.

Embora o parecer ainda não tenha sido divulgado, o comunicado da ERC destaca que a operação acarreta “vários riscos para o pluralismo no sector da comunicação social”. É um negócio que irá aumentar a concentração da “titularidade de quatro dos cinco segmentos de órgãos de comunicação social regulados pela ERC”. Entre eles, o dos “operadores de rádio e de televisão, relativamente aos serviços de programas que difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam, sob sua responsabilidade editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica”.

Outras preocupações recaem sobre as entidades que disponibilizem "através de redes de comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação” e sobre as entidades "que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem”.

A ERC deixa ainda outro alerta no caso das empresas que disponibilizam "regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente”.

Apesar das preocupações do regulador, a Altice considera que “a perspectivada transacção será altamente benéfica para Portugal, para a cultura portuguesa, para a economia portuguesa”.

E elenca uma série de benefícios que virão da junção num só grupo da PT e da Media Capital: o negócio “trará investimento directo para Portugal”; “salvaguardará e fará crescer os níveis de emprego no sector dos media em Portugal”; “promoverá o progresso na agenda digital de Portugal”; “tornará os conteúdos mais acessíveis para todos os portugueses”; “fortalecerá a criação de conteúdos locais portugueses”; “exportará conteúdos portugueses originais para mercados internacionais (principalmente, para os mercados em que a Altice opera, designadamente EUA e França) contribuindo para a imagem de Portugal no estrangeiro”; “garantirá um ambiente justo e competitivo no sector dos media em Portugal” e “protegerá valores portugueses fundamentais: pluralismo dos media, liberdade de expressão e liberdade editorial”.

Repetindo o que já tinha feito antes de ser conhecida a decisão da ERC (com a diferença de que se tratava de afirmações que então podiam ser atribuídas directamente a Michel Combes, o líder executivo do grupo), a Altice volta a criticar alegadas pressões da sua concorrência sobre os reguladores. “Tomámos nota da pressão sem precedentes que impendeu sobre os reguladores nas últimas semanas, por parte de concorrentes”. Concorrentes que a Altice não quis identificar, quando questionada pelo PÚBLICO, mas que afirma que “utilizaram os seus próprios meios de comunicação para veicular os seus próprios interesses”. A Altice também não quis explicar ao PÚBLICO (que é detido pela Sonae, grupo que é um dos accionistas de referência da Nos) a que meios de comunicação se referia nesta declaração.

Reguladores "experientes"

Os donos da PT/Meo reiteraram a ideia de que “o enquadramento regulatório português e europeu é bastante claro e este caso deverá ser analisado apenas com base nos factos e no mérito”, sendo que, neste contexto, “a AdC é quem melhor se posiciona para analisar esta transacção na sua totalidade e determinar se, e que, condições serão necessárias”.

Dizendo-se “plenamente confiante de que a AdC irá analisar a transação de forma objectiva”, a Altice frisa que o enquadramento regulatório português é “claro” e os “reguladores experientes” e dotados das “ferramentas necessárias” para “ fazer cumprir as suas decisões”.

Nas declarações públicas sobre o negócio, a Nos e a Vodafone têm destacado que nenhum remédio comportamental terá capacidade de travar os malefícios que, segundo sustentam, o negócio trará em termos de concorrência. No parecer (não vinculativo) que enviou à AdC, a Anacom considera que o negócio será "susceptível de criar entraves significativos à concorrência efectiva nos vários mercados de comunicações electrónicas” e que, se a operação for aprovada nos moldes em que foi notificada, os “instrumentos sectoriais" à sua disposição "não são suficientes para acautelar o impacto" que dela poderá resultar.

Nos termos em que foi notificada à AdC, a aquisição pela PT/Meo do controlo exclusivo da Media Capital representa uma "integração vertical completa da cadeia de valor", dando lugar a que no mesmo grupo decorram as "relações comerciais entre a produção de conteúdos, o fornecimento grossista de canais de TV e de rádio, a publicidade e a distribuição do serviço de televisão", notou a entidade liderada por João Cadete de Matos, em Setembro.

Com este negócio, a "referência de 30% de quota de mercado mencionada nas orientações da Comissão Europeia sobre concentrações não horizontais é ultrapassada em todos os mercados de comunicações eletrónicas afectados", alertou então a Anacom.

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