Governo quer combater ideia de que o fisco "está sempre contra o contribuinte"

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz ser prioritário melhorar resolução de litígios entre os contribuintes e a administração tributária, para esta não ser encarada "como um inimigo".

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Mendonça Mendes diz que o fisco é, por vezes, criticado sem que a razão se deva à AT Rui Gaudêncio

O Governo quer explorar os meios alternativos de resolução de litígios entre os contribuintes e a administração fiscal, melhorando os “instrumentos de justiça tributária” à disposição dos cidadãos. A ideia foi colocada em cima da mesa pelo novo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, durante uma audição no Parlamento nesta quarta-feira sobre o relatório de combate à fraude e evasão fiscais de 2016.

Embora possa ser comum a perspectiva de que a máquina fiscal “está sempre contra o contribuinte”, essa é uma ideia “errada” que o executivo quer combater, afirmou o sucessor de Fernando Rocha Andrade, na sua estreia em audição parlamentar desde que assumiu funções em Julho. “A autoridade tributária não pode ser encarada pelo contribuinte como um inimigo, uma entidade que está a invadir a sua esfera de liberdade e património”, mas antes “como uma aliada”, porque a sua função, sublinhou, “é recolher os impostos que financiam os serviços públicos”.

Muitas vezes, exemplificou, a AT é criticada até “por razões que não têm a ver com a administração tributária”, como acontece, disse, com as coimas das portagens das auto-estradas, porque a administração fiscal é intermediária – por estar a prestar um serviço à entidade que gere a auto-estrada.

O Governo quer “limitar esse tipo de novos acordos”, porque sempre que a AT ganha um novo encargo de uma entidade externa, como acontece com as multas nas auto-estradas, “as pessoas quando recebem a carta vão directamente às Finanças perguntar”.

A questão da justiça tributária fora levantada pelo deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira, que ao ler o relatório de combate à fraude notou um aumento do número de reclamações, com um elevado número de casos em que as pretensões dos contribuintes são indeferidas nos recursos hierárquicos.

O relatório mostra existir, segundo a própria autoridade tributária, um peso “muito elevado (56%) das decisões de mérito favoráveis à AT”, o que significa que há 44% de casos onde os contribuintes perdem nas reclamações apresentadas.

Citando a filosofia de Karl Popper, o secretário de Estando reconheceu que a AT “seguramente erra”, como “todos nós erramos”. O importante, defendeu, é que a justiça tributária funcione. “Fico satisfeito quando é reposta a justiça, tenha o contribuinte razão, tenha a AT razão”.

Quanto ao facto de haver mais reclamações, o governante não deixou de assinalar “um sentimento positivo”, por indiciar, segundo entende, que “as pessoas têm mais consciência dos seus direitos”. “Temos todos que fazer um esforço no sentido de melhorar os instrumentos de justiça tributária”, admitiu, falando na necessidade de desenvolver meios alternativos de resolução de litígios, “um procedimento de conciliação obrigatório”.

Um dos números mais surpreendentes do relatório – o facto de as dívidas prescritas em 2016 terem chegado a 306 milhões de euros, mais do que duplicando face a 2015 – foi justificado por Mendonça Mendes com a contabilização de processos que estavam prescritos mas não assumidos como tal. Aconteceu a “regularização daquilo que é o acumular de vários anos”, disse o novo secretário de Estado, quando em Julho Rocha Andrade considerou “normal” o volume de prescrições (ao fim de oito anos), pelo aumento do número das insolvências registadas a partir do início da crise financeira internacional.

Aos deputados, Mendonça Mendes confirmou ainda que o fisco vai passar a receber mais cedo a lista das transferências para offshores – uma medida que está prevista na proposta do Orçamento do Estado, já noticiada pelo PÚBLICO – ficando os bancos obrigados a fazê-lo até ao final de Março de cada ano, em vez de essa comunicação acontecer até Julho. Com isso, em vez de essas estatísticas serem publicadas no Portal das Finanças até Outubro de cada ano, a data-limite também é antecipada, passando para Julho.

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