Ao longe nem tudo parece pequeno

Enquanto discutimos défices, o país arde. E não arde só uma vez, arde várias. E pessoas morrem

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Pedro Nunes/Reuters

Estou longe, demasiado longe. E quanto isso me corrói a alma. Não sou senão um mero emigrante enquanto nas notícias vejo o meu país arder. Se fosse mato, não me preocupava por aí além; há quem diga que precisamos de menos eucaliptos. Se não tivesse sido bombeiro voluntário durante anos, não me preocupava por aí além.

Consta que o Orçamento do Estado foi entregue recentemente e que vai haver dinheiro à brava, desde a educação à saúde. O IRS vai descer e dentro em breve ninguém se vai lembrar daquela coisa da "sobretaxa". Os pensionistas ganham mais dez euros por mês, mas os impostos sobre os automóveis sobem; vão ter de andar a pé. Já ninguém tem medo da Troika e a taxa de desemprego está em queda. Mas, digam-me, que raio é que isso interessa quando nem sequer conseguimos proteger o nosso país do mais básico e usual fenómeno natural? Não somos a Suécia: devíamos ser os melhores nisto de apagar fogos! Mas o Natal está a chegar e o que interessa mesmo é o poder de compra do portugueses para os lados do LX Factory.

Enquanto discutimos défices, o país arde. E não arde só uma vez, arde várias. E pessoas morrem. Mas vá, são pessoas da aldeia; não gastam assim tanto dinheiro no shopping, por isso não valem tanto. Para quê profissionalizar bombeiros voluntários quando já temos os sapadores nos grandes núcleos urbanos? Bombeiros voluntários não valem tanto. Aviões de combate a fogos? Para quê, se já temos submarinos? E que ninguém diga que os reclusos deviam limpar a mata, estão ocupados a fazer carteiras de cortiça para os turistas da Rua das Flores.

Nem ao longe parece pequeno. É uma tragédia e uma vergonha. Cá fora ninguém acredita que tal coisa aconteça num país "desenvolvido"; ninguém acredita que 90% daqueles gajos de vermelho e mangueira na mão não recebem um cêntimo pelo que fazem. Um pão com manteiga e um leite achocolatado, e que nem se atrevam a queixar-se.

Às vezes é mesmo preciso ver as coisas de longe, dar azo àquela perspectiva arrogante de emigrante, concluir que a prioritização do meu país é absolutamente retardada.

Sem investimento, sem meios, sem formação, sem prevenção, o meu país vai continuar a arder

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