Direito ao nome do pai mas não a herdar

Alemanha, Áustria e Itália não impõem prazos, Macau também não, mas, se a idade do pai for avançada, não reconhece efeitos patrimoniais ao reconhecimento do vínculo.

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Bruno Lisita

O que têm em comum a Holanda, a Itália, mas também Espanha, Brasil, Alemanha e Áustria? A ausência de quaisquer limites temporais ao direito de uma pessoa ver investigada e legalmente estabelecida a sua paternidade.

Em Cabo Verde, Angola e Macau verifica-se o mesmo. Neste último caso, para travar os que movem estas acções movidos pela ambição de obter benefícios patrimoniais, a lei limita o estabelecimento do vínculo de filiação aos efeitos pessoais. Ou seja, os filhos ganham direito ao nome do pai mas não a herdar os seus bens. Na Suíça, a lei estabelece um prazo de um ano após atingida a maioridade, mas admite que a mesma possa ser intentada depois “se motivos justificados tornarem o atraso justificável”. Já em França, a lei equipara-se à portuguesa, ao estabelecer, como regra, um prazo de prescrição de 10 anos após a maioridade.

No caso português, antes de 2009, as acções de investigação ou de impugnação de maternidade ou paternidade só eram admitidas num prazo de dois anos após a maioridade do pretenso filho. O garrote temporal assentava (e assenta ainda) no direito do pretenso progenitor a não ver protelada uma situação de incerteza, agravada pelo envelhecimento e pela aleatoriedade da prova, bem como a ver preservada a sua segurança jurídica, paz e a harmonia familiares. Com a consolidação das novas técnicas laboratoriais de determinação científica da paternidade (como os testes de ADN cujos resultados têm uma fiabilidade próxima dos 100%), o argumento da aleatoriedade da prova foi perdendo peso. As novas realidades familiares, por outro lado, criaram espaço para que os interesses da segurança jurídica do pretenso progenitor e a prevenção da “caça às fortunas” perdessem terreno face ao argumento do direito ao reconhecimento da paternidade biológica.

Nos sucessivos recursos que lhe foram sendo apresentados, o Supremo Tribunal de Justiça foi-se pronunciado amiúde a favor da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, que é o mesmo que dizer que o direito a conhecer as origens biológicas é inviolável e imprescritível. Logo, as respectivas acções devem poder ser intentadas em qualquer altura. O contrário - sustentam os partidários desta ideia - violaria a Constituição Portuguesa, nomeadamente quando esta estabelece, no seu artigo 26º, o direito inalienável à identidade. E a própria jurisprudência constitucional foi-se alterando, com vários acórdãos a considerar que o artigo 1817º do Código Civil funcionava como “uma restrição inadmissível do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família”.

Por causa disto, em 2009 o prazo foi alargado para os actuais dez anos após a maioridade. O Código Civil passou ainda a admitir uma flexibilização desse prazo em circunstâncias excepcionais: se alguém se confrontar com dados que justifiquem a investigação, dispõe de três anos, após essa descoberta, para intentar essa acção, tenha a idade que tiver.

São prazos “justos e razoáveis”, na opinião de Remédio Marques, professor regente de Direito da Família e Sucessões na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para quem “a lei procura fazer uma espécie de concordância prática entre o direito à estabilidade jurídica e à identidade biológica”. Mas, para este especialista, Portugal não ficaria mais mal servido se, tal como em Macau, a lei dissociasse a vinculação jurídica entre pai e filho dos direitos sucessórios inerentes, no caso das acções interpostas tardiamente. Com isto, respeitar-se-ia o direito de todos à identidade biológica, mesmo que estabelecida muito tardiamente, prevenindo ao mesmo tempo a instrumentalização da acção para fins patrimoniais. “O direito à identidade pessoal e ao reconhecimento das origens genéticos estaria salvaguardado, mas não teria efeitos patrimoniais”, precisa.

Esta posição não é consensual, nomeadamente porque poderá pressupor um tratamento discriminatório dos filhos nascidos fora do casamento, peremptoriamente proibido pela Constituição Portuguesa. Foi, de resto, isso mesmo que alegou o ex-presidente do Tribunal Constitucional, Joaquim de Sousa Ribeiro. Num acórdão de 2011 (o mesmo em que se sustenta a decisão sumária do TC relativa ao caso de Mário Mondim e em que a declaração de constitucionalidade dos prazos legais passou à risca, com sete votos a favor e seis contra), Sousa Ribeiro argumentou, na respectiva declaração de voto vencido, que “faz parte do estatuto de filho a titularidade de direitos patrimoniais”. A negação desse direito, acrescentou, não faria mais do que “reforçar a desvantagem” em que o filho já se encontra pelo facto de ter crescido sem pai.

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