Campanha mais suja de sempre pode acabar com a extrema-direita no Governo

Conservador Sebastian Kurz é o favorito nas eleições austríacas deste domingo. Mas o Partido da Liberdade prepara-se para entrar numa coligação, seja com a direita, seja com a esquerda.

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Cartaz de campanha dos conservadores, de Sebastian Kurz CHRISTIAN BRUNA/EPA

O que fez os dois principais partidos políticos austríacos, que ainda por cima governam em coligação, acabar em tribunal por causa da campanha para as legislativas antecipadas deste domingo?

Um conselheiro político israelita, que trabalhava para os sociais-democratas, do chanceler Christian Kern, terá usado páginas falsas de Facebook para apresentar o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sebastian Kurz, o seu rival do partido conservador que vai à frente nas sondagens, como racista e anti-semita.

Mas também um porta-voz de Kurz e um dos seus mais próximos aliados foi apanhado a fazer uma oferta de pagamento de 100 mil euros a um membro da campanha rival para que este trocasse de lado.

Não admira que cada um dos dois partidos tenha acabado acusado, em tribunal, pelo outro.

A revista austríaca Profil, que divulgou pormenores dos casos, não tem hesitações em titular, na capa, que esta é “a campanha de mais baixo nível de todos os tempos”.

As sondagens dão vantagem ao ÖVP, o partido conservador de Kurz, de 31 anos, que tem cerca de 33% das intenções de voto. Em segundo lugar estão os sociais-democratas do SPÖ, com 27%, embora praticamente empatados com o partido de extrema-direita FPÖ, com 25%.

O partido liberal Neos aparece com 5% e os Verdes, do Presidente Alexander van der Bellen (que derrotou o candidato do FPÖ, Norbert Hofer, em Dezembro do ano passado), com 4%, e a lista Pilz, ecologista, com 4%.

Mas ainda havia uma grande percentagem de indecisos e a luta entre os dois principais partidos ameaça prejudicá-los e dar mais hipóteses à extrema-direita de ficar em segundo lugar. As últimas presidenciais, com dois candidatos das franjas a chegar à segunda volta, reflectiram o cansaço dos eleitores com os dois partidos do centro político, que governaram em coligação grande parte dos últimos 70 anos.

Lista de condições

Independentemente do resultado, antecipa-se que o FPÖ entre no Governo, seja ele liderado pelos conservadores ou pelos sociais-democratas. Os conservadores têm já um precedente, a coligação com o FPÖ então liderado por Jörg Haider, de 2000 a 2005. Os sociais-democratas, ao contrário do que fizeram até agora a nível nacional, não excluíram associar-se ao FPÖ – embora considerando uma lista de condições que o partido de extrema-direita teria de cumprir para uma eventual coligação.

No Executivo cessante, SPÖ e ÖVP vinham a desentender-se sobre várias questões, desde a reforma fiscal até à entrada de refugiados, o que levou à convocação de eleições antecipadas — originalmente, estavam previstas só para o Outono de 2018. Este desentendimento, exacerbado pela luta com golpes baixos durante a campanha, torna difícil um novo acordo de coligação entre os dois partidos. A maioria dos observadores espera agora um governo de direita com a extrema-direita.

Os conservadores mudaram de líder, escolhendo o jovem Sebastian Kurz, que assumira o cargo dos Negócios Estrangeiros com apenas 28 anos e se revelou um político especialmente hábil, com talento particular na comunicação. Na altura, ainda se antecipava que o FPÖ pudesse ficar em primeiro, mas Kurz rapidamente subiu para o topo nas sondagens.

Enquanto responsável pelos Negócios Estrangeiros, defendeu o corte da chamada “rota dos Balcãs”, para impedir a passagem de refugiados do Médio Oriente em 2015, e tem aumentado os incentivos para que os refugiados deixem o país. A Áustria, um país de cerca de 8,7 milhões de habitantes, serviu sobretudo de trânsito, mas cerca de 90 mil refugiados ficaram no país e pediram asilo.

Na campanha, Kurz fez da imigração tema central e defendeu mais cortes nos subsídios, o fim de toda a “imigração ilegal”, e acabar com as creches muçulmanas – porque, disse, carregam o perigo de criação de uma “sociedade paralela”.

O FPÖ tem acusado os conservadores de “serem uma fotocopiadora” das suas propostas, como disse ao Financial Times Mario Kunasek, líder do FPÖ na região de Styria. Analistas sublinham que mesmo que o partido não seja o vencedor das legislativas, as suas ideias vingaram na Áustria, de facto.

O cenário do FPÖ no Governo não tem comparação com o que foi na sua estreia: com partidos populistas e de direita radical em vários Governos, da Hungria à Noruega, a paisagem política europeia é muito diferente daquela que levou os então 14 parceiros europeus a decretarem sanções à Áustria.

O partido também mudou: depois de uma cisão em 2005 e o desaparecimento de cena de Haider, morto num acidente de carro em 2008, passou anos a preparar-se para chegar de novo ao poder.     

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