Na Feira do Livro de Frankfurt, com os olhos postos na Catalunha

Dez anos após ter sido a convidada de honra na feira alemã, a Catalunha, “terra de livros”, voltou a estar este ano no centro das discussões.

Foto

Ninguém escapou à situação que se vive na Catalunha durante a Feira do Livro de Frankfurt. Até Dan Brown, que aqui veio lançar o seu novo romance Origem (Bertrand), que se passa em Espanha, e designadamente naquela região, não conseguiu fugir ao assunto, que esteve também nas conversas entre editores, agentes literários, outros escritores e jornalistas.

Em Outubro de 2007, a cultura catalã foi o convidado de honra daquela que é a feira mais importante do sector. Com o slogan “Catalunha, terra de livros. Barcelona, cidade da Literatura” mostrou o seu poder económico e a sua força como centro do mercado editorial espanhol. Dez anos passaram, e nesta 69.ª edição da Feira do Livro de Frankfurt, que termina este domingo, a Catalunha voltou a estar na ribalta por causa da situação política em Espanha e da votação pela independência no passado dia 1 de Outubro.

“Dialogue, not violence” é a mensagem que se lê no pin que muitos dos editores portugueses trazem nos seus casacos quando entram no pavilhão de Portugal, mesmo ao lado da Federación de Gremios de Editores de España.

Um pouco mais à frente, já depois dos stands da Anagrama ou da Tusquets, chega-se ao pavilhão da Generalitat e do Ayuntamiento de Barcelona com o slogan “Catalonia, Land of Books. Barcelona, city of Literature”. Foi ali que na quinta-feira foi lançado um Manifesto sobre a situação na Catalunha, assinado pela associação de editores em língua catalã, onde defendem que “a diversidade nacional cultural e linguística é inerente à condição humana”, que a diversidade resulta em diferenças e que são elas que dão saúde a uma sociedade plural.

Foto

“No entanto, quando as diferenças levam ao conflito, precisam de ser resolvidas de uma maneira pacífica através do diálogo, a ferramenta mais poderosa que temos para chegar ao entendimento e à harmonia”, escrevem num texto que condena também a acção repressiva e violenta ordenada pelo governo espanhol sobre a população civil no dia do referendo.

Barcelona foi sempre a sede de grandes grupos editoriais, como a Penguin Random House Grupo Editorial, da Bertelsmann (o quarto mais importante grupo editorial no ranking mundial) ou a Planeta (o sétimo grupo editorial a nível mundial). É também em Barcelona que estão muitas das agências literárias com quem mais lidam os editores portugueses, entre as quais aquela que é a mais importante para o mercado hispano-americano, a que foi criada por Carmen Balcells (1930-2015), bem como a agência Pontas, da agente literária Anna Soler-Pont, ou a MB Agencia Literaria, de Mónica Martín.

Joana Neves, editora na Bertrand lembra que o pin onde se lê “Diálogo, não violência” foi uma iniciativa de vários agentes e editores. “É um gesto simbólico, com um certo valor”. Os pins estão em cima das mesas na sala dos agentes e quem quiser pega num e pergunta do que se trata. Esta é uma feira por onde passam pessoas do mundo inteiro e nem todos estão tão informados como os portugueses sobre a situação.

“Quem vem a uma feira do livro acaba por testemunhar quase lateralmente o que está a acontecer no mundo. Estávamos cá em 2001, depois do 11 de Setembro quando começaram aliás todas estas medidas de segurança. Na Feira do Livro de Londres falou-se do ‘Brexit’. Acabamos por testemunhar e conviver lateralmente com estes grandes acontecimentos em convívio profissional, que passa também pela amizade”, diz. “A grande maioria dos catalães que conheço, antes do 1 de Outubro eram anti-independência. Muitos dos que votaram sim, continuam a ser contra a independência, por paradoxal que possa parecer. A questão é que o voto foi usado como um protesto contra o autoritarismo do PP. Isto traz muitos fantasmas. É complicado”.

José Prata, da Lua do Papel, uma das editoras do grupo Leya, enquanto corre de uma reunião para outra com o pin catalão no casaco, diz ao PÚBLICO que sentiu que a maior parte dos agentes catalães se esforçavam por manter uma posição de neutralidade para não ferirem susceptibilidades. Mas estão todos de acordo que “o processo só vai acarretar prejuízos independentemente do desenlace. É como se o mal já tivesse sido feito”, explica. “Como se já se tivesse iniciado um processo de ‘Brexit’. Mesmo que nunca venha a haver o ‘Brexit’ deixará sempre marcas e essas marcas serão sempre negativas para o negócio também”. Lembrou o caso de uma agente literária americana, com passaporte inglês, que estava muito contente porque se tinha mudado há pouco para Barcelona por causa do “Brexit”. Agora sente que em Barcelona poderá vir a ter os problemas que teria se estivesse em Inglaterra, fora da União Europeia.

“Se a independência for para a frente, vai fechar-se o mercado”, diz por sua vez Cláudia Gomes, da Porto Editora. A maior parte dos agentes a quem os portugueses compram livros são catalães. “A maioria das pessoas com quem falei não estão a favor da independência, mas estão revoltados com o governo espanhol. Vejo que estão todos muito tristes”, acrescenta.

Carlos Veiga Ferreira, da Teodolito, que sempre publicou autores espanhóis e que encontrou muitos dos seus amigos catalães nesta feira percebe que  estão dividos “metade, metade”, com “uma parte grande independentista e outra parte que está muito preocupada mas não é independentista, embora também esteja furiosa com o governo espanhol pela maneira como tem reagido a tudo isto”.

Juan Mera, desde há muitos anos director da Planeta Portugal, confirmou ao PÚBLICO que já está decidido pelo grupo editorial espanhol que o conselho de administração vai mudar a sua sede fiscal de Barcelona para Madrid, mas para já nada mais sairá da Catalunha, aliás o prémio literário que o grupo detém será lá atribuído este domingo.

No entanto, Carlos Veiga Ferreira, que em Novembro irá publicar o mais recente livro de Enrique Vila-Matas, Mac y su contratiempo – o autor irá a Lisboa fazer um lançamento do livro –, notou nas conversas com os colegas espanhóis muita preocupação quanto ao futuro económico. “Nas relações com os agentes catalães eles estão bastante tranquilos, estão mais incomodados com o que pode acontecer do ponto de vista da venda de livros na Catalunha porque há muito medo de uma crise económica grande”.

Numa reunião que os responsáveis dos stands nacionais de países de língua espanhola, francesa e portuguesa tiveram com o director da feira, Jürgen Boos, os representantes de Espanha alertaram para o facto de nos últimos dois anos terem conseguido ultrapassar a crise e o mercado da venda do livro ter voltado a crescer mas, nas últimas semanas, ter havido uma estagnação nas vendas. Todos se perguntam sobre qual será o verdadeiro impacto desta situação política. “Espanha é um dos países para onde Portugal mais exporta em geral, e efeitos no consumo privado espanhol poderão ter efeitos colaterais na economia portuguesa”, diz ao PÚBLICO o secretário-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, Bruno Pires Pacheco, que participou nessa reunião.

Guilhermina Gomes, editora do Círculo de Leitores e da editora Temas e Debates, por sua vez, viu “um enorme sofrimento” nas agentes literárias catalãs que estão “mais do que preocupadas, estão inquietas”, diz mostrando o seu pin no casaco. “Sinto-o como uma espécie de enorme humilhação e só peço e desejo que pelo menos a autonomia seja reconquistada porque não creio que mais nada possa ser feito depois de se ter chegado a esta situação tão complicada e impositiva da parte do Governo central”.

Comprou e irá publicar, do historiador Simon Schama, The Return of the Tribes, que se poderá vir a chamar em português O Regresso do Tribalismo, e lembra que também Mario Vargas Llosa falava disto, da Catalunha como se fosse uma tribo. “Ainda não pensei sobre as implicações para o mundo editorial, nem sequer falámos disso, porque as pessoas estão muito preocupadas com os seus quotidianos, mas ainda não se está a abordar a situação da edição. E a possível deslocalização [das sedes] não significa nenhuma perda significativa em termos funcionais, agora é claro que em termos de verba para a própria Catalunha, claro que muda”, diz a editora Guilhermina Gomes.

“Com isto, os agentes literários que estão em Madrid, que há poucos, mas há, podem ganhar mais força”, analisa Cláudia Gomes. “A maior parte dos livros estrangeiros que nós compramos, compramos através de agentes em Espanha que não detêm os direitos para a língua inglesa, mas representam os livros na negociação para Espanha, Portugal, Itália, Grécia. Todos sabemos que Barcelona é um pouco o centro cultural de Espanha e podem ficar mais isolados.” Mas a editora deixa no ar uma esperança: “Talvez possam aparecer mais algumas pessoas em Portugal a fazer este trabalho; porque não?”

Sugerir correcção
Comentar