“Sem quotas, a representação das mulheres demoraria muito mais”

Harbeen Arora é a fundadora e directora da All Ladies League, uma organização que junta 70.000 mulheres no mundo e esta semana organiza, em Portugal, a conferência Women Economic Forum.

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Para Harbeen Arora, 42 anos, fomentar mudanças positivas é como cozinhar um guisado: primeiro é preciso juntar os ingredientes (pessoas de todo o mundo) e depois acender o fogo para que dessa mistura surja algo de novo. Natural da Índia, Arora trabalhou, através da fundação da família, na educação do seu próprio país. Em 2011, criou a All Ladies League (ALL), uma organização sem fins lucrativos que tem cerca de 70 mil mulheres afiliadas, em mais de 500 grupos, em 150 países, que promove a ligação entre elas, promovendo iniciativas privadas e a nível governamental.

O primeiro Women Economic Forum (WEF) aconteceu em 2015, no seu país natal, e agora viaja pelo mundo. Esta semana, de domingo a terça-feira, no Estoril, vai reunir cerca de 400 pessoas – entre chefes de Estado e de governo, representantes das Nações Unidas, prémios Nobel e artistas – sob o tema "O conhecimento para a paridade de género". Luíza Palma, com 25 anos de experiência na banca de investimento, é a líder da ALL em Portugal e organizadora deste encontro. A responsável criou as directivas para um certificado de equidade dentro das empresas – ao qual chamou Gender Parity Label –, um selo que visa ser entregue àquelas que a promovem, dando-lhes acesso a benefícios fiscais. Isabel Jonet, do Banco Alimentar, a artista Joana Vasconcelos e as jornalistas Fátima Campos Ferreira, Helena Garrido e Joana Gorjão Henriques (da RTP, do Observador e do PÚBLICO, respectivamente), falarão neste encontro onde os homens também entram.

Já disse em entrevistas que o WEF tem uma energia especial. Que energia é essa?
É como uma celebração. Temos de integrar e harmonizar tantas culturas e quando temos um espírito de celebração tendemos a forcarmo-nos naquilo que nos une. A ALL cria círculos de irmandade em que todas despejamos os nossos talentos, competências e contactos. Levamos esse espírito de entreajuda para o WEF. É este tipo de networking que queremos que as mulheres tenham: uma exposição internacional e influência global. O que gera negócio é explorar novos mercados e encontrar mais-valias através da inovação.

É por isso que a conferência chega a diferentes países?
Na verdade, nunca foi premeditado. Começámos na Índia, mas a ALL foi sempre global. As pessoas começaram a dizer 'venham para a minha parte do mundo, o meu país precisa disto'. E fomos porque temos de reflectir a diversidade que defendemos.

Qual foi a visão que estabeleceu para a ALL?
Aconteceu de forma muito orgânica. Definimos três coisas: Primeiro a inclusão, há demasiadas divisões no mundo e precisamos de alguma harmonia na diversidade. Quando trabalhamos com alguém temos menos preconceitos. Segundo, é um bocadinho como cozinhar: os ingredientes são todos diferentes, mas queremos que cantem uma melodia em uníssono, para que um guisado possa aparecer. Por isso, é preciso acender o fogo, cozinhar, inspirar esta mistura para que os ingredientes comecem a interagir. O terceiro é o resultado dos dois primeiros: inovação.

Quando começaram a ganhar tracção?
Foi no primeiro fórum, em 2015. Então, revelou as imensas possibilidades daquilo que estávamos a fazer e a sede das mulheres à volta do mundo para algo como isto. A ligação física é muito importante — além do online, que é uma ferramenta para formar a comunidade [de 70 mil mulheres] e manter o contacto.

Se a filiação na ALL é gratuita, como é que é financiada?
De momento é uma fundação familiar. Apoiamos o secretariado e a conferência na Índia. Os grupos, em cada país, encontram os seus próprios modelos para fazer eventos e isso também constrói liderança, iniciativa e espírito de fazer acontecer.

Qual é o objectivo desta conferência cujo tema é “O conhecimento para a paridade de género”?
Primeiro, estamos a vir, pela primeira vez, para esta parte do mundo – a abordar Portugal, países de língua portuguesa e pessoas da diáspora portuguesa. Há uma ligação indiana: os portugueses estiveram na Índia, em Goa, o vosso primeiro-ministro esteve na Índia no ano passado, o nosso primeiro-ministro fundou uma startup hub Índia-Portugal. Essa parceria — saber que estamos em sintonia — cria energia. Acho que podemos aproveitá-la um pouco mais. Espero avançar com essa ligação com instituições e universidades em Portugal.

No final da conferência é suposto haver algum tipo de resolução?
As pessoas vêm de diferentes esferas — empresas, artes, educação, tecnologia, estudantes. Criamos um ecossistema inspirador para ajudá-las a brilhar nas suas iniciativas, mas não doutrinamos nem temos qualquer dogma. Não fazemos resoluções no final, simplesmente motivamos as pessoas a fazê-las. A Luíza Palma teve a sua própria iniciativa, na sua capacidade independente tomou conta do tema da igualdade de géneros.

A política e a religião não são questões inevitáveis para discutir os direitos das mulheres?
Não dizemos para não se discutir política. Como organização, não abordamos argumentos sobre religião ou política, sentimos que devemos excluí-los o mais possível mas, de facto, estão, de certa forma, ligados a quem somos – formam parte da nossa identidade. No entanto, dizemos: “não ponham estas identidades na linha da frente”, de forma a que quando vejamos uma mulher de outra parte do mundo, não contemplemos uma hindu, cristã, muçulmana, republicana ou democrata – antes uma mulher. É um esforço, concordo, mas já vimos como pode valer a pena. No momento em que tocamos nos assuntos sensíveis de política e religião tudo é retirado de contexto, exagerado.

Acredita que a mudança tem de ser pessoal?
Absolutamente! Acho que são mudanças pequenas e orgânicas que lentamente manifestam-se de maneira a tornarem-se mudanças radicais. Todas as mudanças no mundo — verdadeiramente progressivas e sustentáveis — têm de ser carregadas aos ombros. Mas podemos criar um espaço de partilha para as pessoas poderem chegar às suas próprias conclusões.

Considera que as quotas são necessárias?
Certamente, as discriminações positivas têm o seu lugar e ajudam as comunidades marginalizadas. Sem quotas, a representação das mulheres de forma orgânica demoraria muito mais tempo. Claro que precisamos de directrizes inteligentes. Acredito em discriminações positivas, mas ao mesmo tempo, como ser humano, tenho dúvidas acerca dos direitos adquiridos. Por isso, defendo que devem ser medidas limitadas no tempo. No segundo em que se transformam em direitos adquiridos começam a sufocar a criatividade, a destruir o espírito humano – “não vou trabalhar porque vou receber algo na mesma”. Como tudo na vida, é preciso um balanço.

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