Descentralização e Europa em banho-maria à espera do novo PSD

Vários assuntos prioritários para o Governo que dependem de consenso político vão ter de ficar à espera da nova liderança do PSD. O mais importante de todos é o pacote da Descentralização.

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A saída de Passos obrigará o Governo a esperar pelo novo líder Rui Gaudêncio

Descentralização, preparação do próximo quadro de fundos comunitários (Portugal 2027) e alguns diplomas, como a regulamentação da Uber e da Cabify, são temas fortes em cuja rápida negociação e aprovação o Governo aposta, mas que deverão ficar em banho-maria no Parlamento à espera da nova direcção do PSD.

A pressão do PS e do seu Governo para a aprovação do diploma que descentraliza competências para os municípios foi manifestada logo nas cerimónias de comemoração do 5 de Outubro pelo membro do secretariado nacional do PS e recém-eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. Exigindo que a descentralização seja aprovada até ao fim do ano, Medina verbalizou, no rescaldo das autárquicas, a urgência do Governo no avanço de uma reforma estrutural do sistema político-institucional português, a qual o próprio primeiro-ministro, António Costa, elegeu já como prioritária.

O assunto tem estado em banho-maria na Comissão do Poder Local na Assembleia da República à espera de ser negociada com o PSD. O momento de pausa em que as negociações caíram foi determinado pela campanha das eleições autárquicas e tudo indicava que seria retomado agora. Mas o mais provável é que só um novo presidente do PSD esteja em condições de concluir a aprovação do diploma base da descentralização e tudo indica que a direcção demissionária do partido não queira assumir um compromisso com os socialistas quando tem já data de saída marcada: a eleição do novo líder a 13 de Janeiro de 2018.

Governo com ANMP

Isso não impedirá o Governo de manter a pressão sobre o PSD para que haja lei de transferência de competências até ao fim do ano, porque o ministro adjunto tenciona manter o seu calendário. Eduardo Cabrita irá continuar a discutir com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) os diplomas sectoriais que concretizam a transferência de competências, caso a caso, e que sob a forma de decreto-lei serão aprovados em Conselho Ministros.

Do mesmo modo, continuará a preparar, em diálogo com a ANMP, as alterações à Lei das Finanças Locais que garantirão às autarquias novas fontes de financiamento para sustentar o aumento de competências, quer através de transferências do Orçamento do Estado, quer através de novas fontes de receita municipal.

O Orçamento de Estado para 2018 contém já, aliás, os mecanismos de transferência das verbas orçamentais para as autarquias com o aumento necessário a garantir as novas competências. Esse crescimento do financiamento central ao poder local passa por um aumento de 1,5%, num total de 38,9 milhões de euros, dos quais 35,3 milhões se destinam aos municípios, 2,9 milhões são para as freguesias e 0,6 milhões são para reforçar o orçamento das áreas metropolitanas (ver destaque).

O processo de debate com a ANMP deverá ficar concluído até 9 de Dezembro, data do congresso desta organização que junta os representantes municipais eleitos. Mas todo o processo depende do diploma base, a lei de transferência de competências, e essa só deverá sair da Assembleia da República quando tiver luz verde do futuro presidente do PSD.

À espera em comissão

Mas não só grandes questões vão ficar à espera do PSD. Na Assembleia da República e em fase de discussão em comissão parlamentar estão pelo menos três diplomas em que o Governo aposta e para os quais quer um amplo consenso partidário, com a anuência à cabeça do PSD.

Uma dessas propostas de lei do Governo tem como objectivo regulamentar a actividade de transporte de passageiros em veículos descaracterizados, como são os casos da Uber e da Cabify. Em Março, o diploma do Governo baixou à Comissão parlamentar de Economia, sem votação, para ser negociada entre os partidos, já que todos, à excepção do PS, apontaram críticas à solução apresentada pelo Governo. Mas é sabido que a aposta do executivo é trabalhar esta solução no domínio da nova economia com o PSD.

Também à espera do sim do PSD estão duas propostas de lei que mexem com o processo eleitoral. Uma delas pretende agilizar e tornar universal o voto antecipado em mobilidade, de modo a que todos os eleitores que tenham de se deslocar para fora dos seus locais de recenseamento possam inscrever-se para votar antecipadamente nas zonas do país para onde vão viajar.

Ainda no domínio eleitoral aguarda a aprovação sob consenso e o sim do PSD a proposta de lei que agiliza o recenseamento eleitoral dos portugueses a residir no estrangeiro. A mudança introduz o recenseamento automático de acordo com o registo consular dos emigrantes e acaba com a inscrição autónoma para efeitos de recenseamento.

Pacto sobre fundos

A negociação do novo programa de fundos comunitários a receber por Portugal entre 2020 e 2027 (Portugal 2027) é a questão sob menor pressão devido ao calendário do PSD. O primeiro-ministro já anunciou que quer trabalhar com os sociais-democratas e com tempo a proposta a apresentar por Portugal em Bruxelas. Esse trabalho deverá ser feito ao longo de 2018, de modo a que, quando a negociação com os outros Estados-membros se fizer em 2019, haja um programa objecto de consenso entre os dois principais partidos portugueses.

A negociação interna do Portugal 2027 estará associada à criação de novos organismos e a novos conceitos de gestão da governação em Portugal. Central para a sua concretização será a forma como se realizarão obras públicas em Portugal.

O Governo já anunciou que pretende criar um Conselho Superior de Obras Públicas para aprovar e fiscalizar a preparação dos projectos. Quer ainda que todos os programas neste sector sejam aprovados por dois terços dos deputados eleitos à Assembleia da República. Um princípio que obrigará ao acordo do PSD.

O líder cessante dos sociais-democratas, Pedro Passos Coelho, desvalorizou esta proposta, mas um dos dois candidatos à presidência do partido, Pedro Santana Lopes, anunciou logo na sua declaração de candidatura na SIC que quer fazer um pacto de regime sobre obras públicas.

Projectos na gaveta

Para uma nova liderança do PSD ficarão também decisões sobre legislação, mas a nível interno, ou seja, há assuntos sobre os quais a direcção cessante estava a preparar a apresentação de projectos de lei no Parlamento e que deverão ficar igualmente em banho-maria.

Um deles é o pacote da reforma do sistema eleitoral, nomeadamente numa questão cara ao PSD: a redução do número de deputados que está em 230, mas que constitucionalmente podem baixar até 180.

As outras duas alterações que o PSD pretendia apresentar dizem respeito à lei sobre inquéritos parlamentares e à lei de bases da Educação. Estes são temas que obrigam ao voto favorável de dois terços dos deputados, pelo que só serão aprovados com o sim do PS.

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