A imoralidade do preço do vinho na restauração

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Rui Gaudêncio

Na semana passada, o crítico Edgardo Pacheco escreveu um artigo no Jornal de Negócios em que classifica os preços do vinho a copo cobrados na maioria dos restantes nacionais como “um roubo descarado ao produtor e um insulto aos consumidores”. Por sua vez, numa entrevista que deu à Sábado, o critico João Paulo Martins, quando questionado sobre por que razão “os vinhos são tão caros nos restaurantes”, respondeu: “Porque há quem compre”. “Quem faz o preço do vinho é o consumidor”, acrescentou.

Edgardo Pacheco colocou o dedo na ferida quando lembrou que há quem tenha a indignidade de cobrar por um copo de vinho (na verdade, é apenas meio copo) mais do que lhe custou uma garrafa inteira. E João Paulo Martins tem alguma razão quando diz que os vinhos valem o que os consumidores estiverem dispostos a pagar por eles. A partir destes dois exemplos, vale a pena reflectir sobre o que está verdadeiramente em causa e sobre o que se está a perder.

Os restaurantes não são todos iguais e é sempre perigoso generalizar. Há muitos restaurantes que praticam preços mais do que sensatos pelos vinhos. Mas os abusadores continuam a campear e todos nós temos histórias de refeições em que nos cobraram preços exorbitantes por um vinho, com margens de lucro acima de qualquer racionalidade económica. Como se explica que muitos empresários da restauração continuem a olhar para o vinho como a vaca que há-de financiar os seus projectos, quando, ainda por cima, devido à crescente concorrência, em especial entre as grandes superfícies, os vinhos estão cada vez mais baratos? O actual boom turístico pode explicar alguns abusos, porque, em boa verdade, para muitos estrangeiros, pagar 30 ou 40 euros por vinho num restaurante não é um devaneio, mesmo que esse vinho tenha saído do produtor a cinco euros. Se há algo que diferencia o vinho português no mundo hoje em dia é a extraordinária relação qualidade/preço que oferece.

Mas o boom turístico português tem apenas uns anos e a regra de aplicar ao vinho margens de lucro de 200% ou mais é mais antiga. Remonta, pelo menos, aos primórdios da erupção dos grandes vinhos tranquilos do Alentejo do Douro, quando estes eram vendidos nos hipermercados a 30 e 40 euros. O vinho já foi muito mais caro do que é hoje e todos nós também já ganhámos mais do que ganhamos hoje. Desde então, os vinhos mais caros saíram dos hipermercados e passaram a ser vendidos apenas nas garrafeiras. Naquele tempo, a distribuição de vinho era incipiente e os empresários da restauração eram obrigados a ter muitos vinhos em stock, o que acarretava elevados custos. Hoje, é diferente. Nenhum restaurante tem que comprar caixas e caixas de Barca Velha ou de Pêra Manca, ou de outra marca qualquer. As reposições de vinho são feitas quase na hora, pelo que já não faz sentido invocar os custos de stock como justificação para cobrar preços tão altos pelos vinhos.

Claro que a distribuição não tem apenas virtudes. É mais um elemento na cadeia entre o produtor e o consumidor, com impacto no custo final do vinho. Mesmo assim, tendo em conta que as margens de lucro das empresas de distribuição são da ordem dos 40%, ou até menos em alguns casos, um vinho que saia do produtor a cinco euros poderia ser vendido no restaurante a 16 euros e gerar um lucro de cerca de 100%, IVA incluído.

Se os consumidores soubessem os preços a que os produtores vendem os seus vinhos, perceberiam melhor a justa indignação de Edgardo Pacheco. O fenómeno é mais ou menos parecido com o negócio do peixe. Se soubéssemos a que preço se vende o peixe na lota, coraríamos de raiva. Como os pescadores, também os produtores de vinho, em especial os que não têm escala nem prestígio para vender vinhos caros, são os que menos ganham em toda a cadeia de negócio.

A vida é assim e não há nada a fazer? Não. É sempre possível moralizar as relações de mercado, ainda mais quando os seus efeitos são maus para ambas as parte. Um grande restaurante que aplica margens de 300 ou 400% sobre os vinhos não estimula o consumo de vinho e, a prazo, perde mais do que o que ganha. O vinho, para a generalidade dos clientes, não é um mero apêndice de uma refeição. Tudo conta na experiência global de uma refeição. Um chef com uma ou duas estrelas Michelin pode criar um prato de nos levar às lágrimas, mas, se o acompanharmos com um vinho apenas razoável, vamos sair do restaurante com um sabor amargo. Que adianta ter um menu extraordinário se os vinhos que o podiam engrandecer são proibitivos?

Como diz João Paulo Martins, se os vinhos continuam a ser vendidos caros é porque deve haver quem os compre. Mas de certeza que haveria mais compradores se os preços fossem mais aceitáveis. Basta ver os casos dos restaurantes Veneza, em Paderne, ou Manjar do Marquês, em Pombal, só para citar dois exemplos, e que, ano após ano, continuam a ser bem sucedidos. Estão sempre cheios porque, além de se comer bem, é possível beber grandes vinhos a preços justíssimos. Não é pelas estrelas Michelin- que, e ainda bem, nenhum deles tem.

 

 

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