Um Orçamento e meio

Sem a sombra das sanções europeias, com a economia acima do previsto, Mário Centeno libertou o mealheiro. E desta vez não fez um Orçamento, fez um Orçamento e meio.

“Nem-nem.” Há um ano chamávamos assim ao Orçamento de 2017, aquele que agora está em curso. “Nem-nem”, porque era a meio da ponte: ainda de olho na Comissão Europeia, sem perder de vista os parceiros, com fé na recuperação da economia. Correu bem (pelo que sabemos até agora).

Ao Orçamento de 2018, apresentado esta sexta-feira, já não podemos chamar assim: sem a sombra das sanções europeias, com a economia acima do previsto, Mário Centeno libertou o mealheiro. E desta vez não fez um Orçamento, fez um Orçamento e meio.

Um Orçamento e meio cabe no calendário de um ano porque os parceiros pedem e a economia ajuda. Não estava previsto assim. Em Abril, quando apresentou o Programa de Estabilidade, o Governo contava os euros a cada um dos 365 dias: o IRS só aliviava para um escalão (e sem mais isenções), as pensões não mexiam, os apoios sociais não teriam aumento, as progressões voltariam em quatro anos, as horas extras não subiam, os cortes no subsídio de desemprego não caíam.

Lentamente, mês a mês, o dinheiro que não havia coube no Orçamento, sem deixar de fora quase nenhum pedido do Bloco e PCP. A essa conta vai juntar-se o que vem de trás: um (outro) aumento extraordinário das pensões; as contratações de médicos e professores; a integração de “precários” nos quadros do Estado. Este não é um Orçamento de opções, é um Orçamento com elas todas.

O segredo para que tudo isto caiba em 365 dias é que a factura foi partida ao meio. Como muitas medidas são faseadas, é só em 2019 que a conta cai em pleno. Para caber num lado, derramou para o outro. 

Este é o desenho do que temos: um Orçamento e meio que nos traz despesa que veio para ficar, confiante que a economia a vai segurar. E esta é dúvida com que ficamos: até onde o crescimento vai continuar.

Sobram ainda dois problemas. O primeiro é que há uma enorme dívida para limpar. O outro? É que 2019 é ano de legislativas, quando as negociações da “geringonça” mais vão rimar com tentações. Dizia ontem Marcelo, já a ver o perigo: “É preciso olhar para o ano que vem e, sobretudo, quando se conceber o Orçamento para 2019, resistir à tentação de ele ser um Orçamento eleitoralista.”

Quando chegar essa hora, a do último Orçamento, é importante que Mário Centeno se lembre do que disse quando chegou ao Governo: que não gostou de ver uma factura em cima da mesa (assinado: Maria Luís Albuquerque). 

Nós, quando chegarmos às legislativas, teremos de fazer esse julgamento: entre a marca que esta maioria nos quis deixar e a herança que deixará para quem vier.

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