Mérito e receitas extraordinárias

O Orçamento do Estado para 2018 tem de inverter o crónico subfinanciamento do ensino superior.

Fala-se muitas vezes do efeito multiplicador do conhecimento e da qualificação, mas num país habituado a um modelo de baixos salários e baixas qualificações (onde desvalorizar tem surgido tantas vezes como um caminho) isto nem sempre é entendido. Os dados que aqui trazemos apresentam a distribuição das receitas de alguns organismos de Ensino Superior público. Há várias conclusões a retirar dos mesmos.

A primeira evidência é o recuo do financiamento do Estado português, acentuado na quebra de 30%, entre 2010 e 2013. Os efeitos desta deriva são hoje muito sentidos no sistema. Em diversas universidades, o Estado não cobre sequer as despesas com pessoal. É uma situação de grave subfinanciamento atestada no pior registo de toda a OCDE. Falta mesmo muito para recuperarmos os níveis de financiamento de há sete anos atrás. Mantendo-se este quadro, atingir a média de despesa pública dos outros países da União Europeia parece uma miragem, e a da OCDE mais ainda. Este desinvestimento no Ensino Superior tem consequências na desvalorização do sistema como um todo e do trabalho de docentes e investigadores, em particular. Tal contrasta com a narrativa europeia, que destaca precisamente a capacidade de gerar conhecimento e inovação altamente qualificada e qualificante.

A segunda conclusão é a resposta extraordinária que docentes e investigadores deram apesar dos cortes agressivos. O aumento exponencial das receitas provenientes de projetos de investigação deve-se a eles. Nalguns casos, as receitas com projetos europeus cresceram 1316% (em dez anos), sendo que existem diversos casos na ordem dos 300% ou 400%. Trata-se de receitas que deveriam financiar exclusivamente os projetos, mas acabam por ser usadas para compensar o desinvestimento do Estado. O que não faríamos se o Estado português estivesse à altura.

Estas receitas não poderiam ser alcançadas sem o investimento realizado no período pré-recessão, e que permitiu um efeito multiplicador. Cada cêntimo de despesa pública no Ensino Superior e Ciência compensa, não só na capacidade que damos ao país em termos de qualificação, como também nos resultados da investigação. As condições que estes docentes e investigadores possuem têm impacto na sua capacidade de produzir investigação, de ensinar e de conseguir financiamento. Têm sido verdadeiros heróis perante tão parcas condições.

Num quadro geral de penúria, existem universidades com excedentes orçamentais, que testemunham desequilíbrios. Há diversos institutos e faculdades que possuem superavits à custa de bolseiros subcontratados, contratos sem remuneração e outros mecanismos que tais. É inconcebível que o local onde os estudantes e a sociedade buscam a valorização (económica, social e pessoal) aposte antes em desvalorizar os seus. Mais ainda quando estes são mesmo a chave do futuro.

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Simultaneamente, é preciso notar que há diversas instituições que trabalham em contextos extremamente difíceis. É diferente conseguir financiamento europeu partindo da Universidade do Porto ou do Politécnico de Tomar (e com mérito temos conseguido em ambos). Uma política de desenvolvimento dos territórios deve ver as instituições que estão localizadas em contextos urbanos de menor dimensão como uma oportunidade e não como um desperdício. É também importante perceber que é possível um caminho cosmopolita fora de Lisboa (por muito que isso pareça custar a alguns lisboetas). Deixar a desigualdade crescer é o caminho mais fácil e com maiores prejuízos.

O Orçamento do Estado para 2018 tem de significar a inversão da espiral negativa, permitindo multiplicar o valor do conhecimento. É preciso inverter o subfinanciamento do ensino superior e desbloquear, imediatamente e sem restrições, as progressões remuneratórias de docentes e investigadores. Trata-se de permitir que possam fazer o seu trabalho. É premiar o seu esforço pelo país. Merecem.

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