Acusação chama oito membros dos governos de Sócrates a depor

Seis ministros e dois secretários de Estado dos governos de Sócrates vão ser chamados a depor pela acusação: Teixeira dos Santos, Campos e Cunha, Mário Lino, António Mendonça, Nunes Correia e Pinto Ribeiro são os ex-ministros.

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LUSA/ANTONIO PEDRO SANTOS

Os depoimentos das testemunhas do processo conhecido como Operação Marquês arriscam-se a parecer mais um desfile de antigos governantes que terão de comparecer perante a Justiça, sob juramento. Só o Ministério Público vai chamar a depor oito membros dos dois governos chefiados pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates, entre 2005 e 2011. A maior parte são antigos ministros, como é o caso dos antigos titulares da pasta das Finanças, Luís Campos e Cunha e do seu sucessor Fernando Teixeira dos Santos.

A informação é retirada do rol de 229 testemunhas apresentado pela acusação e que consta do despacho final do inquérito, onde são imputados 31 crimes ao antigo chefe do Governo. Sócrates é o principal rosto de um processo que chegou a ter 33 arguidos, mas em que o Ministério Público decidiu acusar apenas 28 (19 pessoas singulares e nove empresas). Mas mesmo alguns que ficaram de fora desta acusação não têm muitos motivos para sorrir. Isto porque a equipa de procuradores liderada por Rosário Teixeira decidiu extrair 15 certidões que permitirão ao Ministério Público continuar a investigar suspeitas criminosas em novos inquéritos, agora abertos. Nessa situação está o ex-patrão da Octapharma Portugal, Paulo Lalanda e Castro, que até poderá ver em breve agravadas as medidas de coacção.

Além de Luís Campos e Cunha e de Teixeira dos Santos, o Ministério Público vai chamar como testemunhas Mário Lino, antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do primeiro Governo Sócrates, que já foi obrigado a prestar esclarecimentos ao colectivo que julgou um outro processo mediático, o Face Oculta, em que Sócrates também esteve envolvido. Nesse caso, porém, o então primeiro-ministro acabou por sair ileso graças à actuação do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, que considerou nulas as escutas em que Sócrates foi apanhado a “conspirar” com o amigo Armando Vara – condenado a cinco anos de prisão efectiva no Face Oculta e agora acusado de cinco crimes – e do ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro, que não viu qualquer indício de crime no teor das conversas interceptadas.

A actual ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, também voltará a testemunhar em tribunal, depois de se ter revelado um trunfo para a acusação do Face Oculta. A governante admitiu então ser recebido pressões para receber o empresário das sucatas Manuel Godinho e pôs em xeque as declarações do ministro que a tutelava (nessa altura Vitorino era secretária de Estado dos Transportes), Mário Lino. Tal valeu ao antigo ministro uma acusação por falsas declarações, um processo que acabou por morrer sem chegar a julgamento. 

A avaliar pelas declarações que fez durante a investigação, Luís Campos e Cunha promete ser igualmente um trunfo para a acusação da Operação Marquês, já que voltou a repetir aos investigadores que se demitiu uns meses após tomar posse como ministro das Finanças de Sócrates por ter sido pressionado por este a mudar a administração da Caixa Geral de Depósitos e a nomear Armando Vara para a administração do banco estatal, o que veio a acontecer mais tarde. O depoimento cai que nem uma luva na tese da acusação que sustenta que Armando Vara e Sócrates receberam, cada um, um milhão de euros para garantir a concessão de financiamento por parte da Caixa ao empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve, que se mantém em incumprimento com aquele banco a quem deve entre duas a três centenas de milhões de euros.

O Ministério Público decidiu chamar igualmente a depor o sucessor de Mário Lino, António Mendonça, ministro das Obras Públicas entre Outubro de 2009 e Junho de 2011, no segundo mandato de Sócrates. O ministro do Ambiente do primeiro Governo Sócrates, Francisco Nunes Correia, envolvido no processo de licenciamento do empreendimento de Vale do Lobo, também será chamado a prestar esclarecimentos em tribunal.

Do rol faz ainda parte o antigo juiz de carreira José Conde Rodrigues, que desempenhou as funções de Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna e de Secretário de Estado Adjunto e da Justiça nos dois Governos Sócrates. E José Pinto Ribeiro, antigo ministro da Cultura, no segundo Executivo socialista. 

Uma outra ministra, não de Sócrates mas de Durão Barroso, Celeste Cardona, também será chamada a depor. E o testemunho da antiga responsável pela pasta da Justiça promete comprometer Armando Vara e, por arrastamento, Sócrates. Cardona que esteve na administração da Caixa entre 2004 e 2008 disse, quando foi ouvida pelo procurador Rosário Teixeira  em Novembro do ano passado, não se recordar de como decorrera em concreto o processo de financiamento de Vale do Lobo, mas afirmou que “a delegação de competências por parte do Conselho de Administração num administrador em concreto para decidir sobre margens de alargamento do financiamento ou dos juros não era um procedimento habitual”, apoiando a tese defendida pelo Ministério Público de que o processo de financiamento foi anormal. 

Menos comprometedor deverá ser o depoimento de Vítor Escária, antigo assessor económico de Sócrates, que chegou a estar sob escutas na Operação Marquês. O economista que foi igualmente assessor do actual primeiro-ministro António Costa acabou por sair do Governo no rescaldo do processo das viagens pagas pela Galp e após ter sido constituído arguido neste caso.

Além da imensa prova testemunhal que o Ministério Público usa para sustentar a acusação, o despacho de acusação remete ainda para um conjunto alargado de documentos apreendidos, para um manancial de mais de centena e meia de apensos bancários onde está concentrada a reconstituição dos circuito das “luvas” que terão sido pagas neste caso. No rol da prova apresentada no despacho final do inquérito, o Ministério Público destaca cerca de 3500 conversas telefónicas interceptadas e que foram transcritas por terem sido consideradas relevantes para suportar a acusação.

A par de antigos responsáveis políticos, o Ministério Público também incluiu no rol de testemunhas a mãe do antigo primeiro-ministro, várias mulheres com quem Sócrates manteve relações amorosas. O tesoureiro do chamado saco azul do Banco Espírito Santo, Machado da Cruz, o gestor de fortunas Michel Canals, o antigo homem forte do BES Angola, Álvaro Sobrinho, são outras das testemunhas do Ministério Público.

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