O primeiro passo que pode matar um acordo histórico

Presidente norte-americano pôs em marcha um processo de consequências imprevisíveis, contra o conselho dos aliados que garantem que o Irão cumpre na íntegra o texto de 2015.

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O líder Ali Khamenei e mísseis em Teerão Nazanin Tabatabaee Yazdi/TIMA/REUTERS

Os EUA saíram do acordo?
Ainda não. Apesar de ser anunciada como parte da revisão da estratégia norte-americana para o Irão, a decisão de Donald Trump tem para já apenas efeitos internos. Ao abrigo de uma lei aprovada em 2015 pelo Congresso, o Presidente norte-americano deveria a cada três meses certificar se o Irão estava a cumprir o acordo e se o levantamento das sanções é, ou não, do interesse americano. Ao contrário do seu antecessor, e do que ele próprio já fizera por duas vezes, desta vez Trump não fez essa certificação, o que dá ao Congresso 60 dias para decidir se apresenta legislação com vista à eventual reactivação ou aprovação de novas sanções visando Teerão.

Que efeitos terá?
Só por si, a decisão de Trump não equivale a uma renúncia americana ao acordo – negociado entre Teerão e seis potências internacionais –, o que não diminui o impacto e as potenciais consequências deste gesto. Ao transferir uma decisão para o Congresso, Trump aumenta a incerteza sobre o futuro do grande feito diplomático de Barack Obama. Se forem aprovadas novas sanções, Washington desvincula-se na prática do acordo de 2015. Mas ainda que tal não aconteça, o repúdio de Trump, a ameaça de sanções ou de outras medidas de retaliação poderão levar o regime iraniano a adoptar medidas que fragilizem o acordo.

Quais os objectivos de Trump?
Ainda candidato à Casa Branca, Trump garantia aos seus apoiantes que iria rasgar “o pior acordo alguma vez feito”. Mas agora a sua Administração – e os congressistas mais críticos do acordo – está reticente em dar um passo que, no médio prazo, pode colocar os EUA de novo perante a hipótese de usar a força para impedir o Irão de se dotar (como Washington suspeita) de armas nucleares.

Com todos os envolvidos a assegurar que o regime iraniano cumpre à letra o que foi assinado em 2015, os críticos apontam sobretudo baterias ao que consideram as limitações do acordo, que não inclui outros programas militares ou as ingerências iranianas na região (caso do envolvimento na guerra da Síria e o apoio ao Hezbollah). Segundo várias analistas, Trump não quer que o Congresso reponha as sanções levantadas ao abrigo do acordo. Mas acredita que a pressão que está a exercer vai levar Teerão e os outros signatários – a começar pelos europeus – a reabrir as negociações, seja para um novo acordo sobre as áreas não abrangidas no texto de 2015 (como o programa de mísseis balísticos) seja para endurecer os termos do acordo vigente.

Isto é realista?
A estratégia é duplamente arriscada, já que ao optar pela confrontação, Washington perde influência diplomática junto dos parceiros e a pressão sobre Teerão pode ter o efeito contrário: Hassan Rouhani, o moderado Presidente iraniano, afirmou na Assembleia Geral da ONU que o país vai “reforçar as capacidades balísticas” para se defender das ameaças.

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O Presidente Hassan Rouhani ABEDIN TAHERKENAREH/EPA

O que vão fazer os outros países?
Tanto a Rússia e a China, como a França, o Reino Unido e a Alemanha são inequívocos no apoio ao acordo nuclear, insistindo que no que depender deles continuará em vigor. Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, admitiu, no entanto, que se os EUA se desligarem “isso prejudicará a atmosfera de previsibilidade, segurança, estabilidade e não proliferação em todo o mundo”. A União Europeia insiste também que o acordo está a ser respeitado e os diplomatas europeus em Washington dizem ter indicações de que não há grande apetite no Congresso norte-americano para repor ou aprovar novas sanções.

O que pode fazer a UE?

Em teoria, a hostilidade americana em relação a um acordo que a UE considera um dos maiores sucessos da sua diplomacia pode reforçar os argumentos para uma aproximação a Pequim e Moscovo, admitiu há dias o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Sigmar Gabriel. E na UE há quem discuta a possibilidade de blindar as empresas europeias com negócios no Irão de eventuais sanções americanas. Mas é pouco provável que a Europa entre em rota de colisão com aquele que considera o seu aliado essencial e é provável que, para evitar males maiores, esteja disposta a ceder ligeiramente a Trump, aceitando o reforço de sanções não directamente ligadas ao programa nuclear.

Como vai reagir o Irão?
Ainda antes de Trump discursar, Ali Larijani, presidente do Parlamento iraniano e muito próximo do Supremo Líder, ayatollah Ali Khamenei, disse que a saída americana do acordo “seria o seu fim”. Mais comedido, Mohammad Javad Zarif, o chefe da diplomacia, disse que Teerão esperará pelas acções do Congresso americano e pela reacção dos outros parceiros, mas poderá decidir acelerar projectos de investigação militar não abrangidos pelo acordo.

A convicção, no entanto, é que a postura ofensiva de Trump reforçará a ala ultraconservadora do regime, face à moderação defendida por Rouhani, e com isso aumentará o risco de o país se desvincular das obrigações do acordo. A decisão de Trump pode não matar de vez o acordo nuclear iraniano, disse Jack Sullivan, responsável do Departamento de Estado durante a presidência Obama, citado pela Atlantic. “Mas pode desencadear uma série de pequenas acções e retaliações que levarão à infame morte do acordo através de mil golpes”. 

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