Presidente do Supremo junta a voz à luta dos juízes contra o Governo

A não aplicação integral do estatuto dos juízes é “insustentável e constitui uma entorse na democracia", disse António Henriques Gaspar no congresso dos magistrados.

Foto
Enric Vives-Rubio

António Henriques Gaspar, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), juntou, esta quinta-feira, a sua voz à dos protestos dos juízes, que estão em “guerra” com o Governo devido ao estatuto dos magistrados. Os magistrados lutam pela aplicação integral do estatuto socioprofissional dos juízes e recentemente cancelaram uma greve agendada para o início deste mês, mas a ameaça continua em cima da mesa.

No XI Congresso dos Juízes Portugueses que, esta quinta-feira, se iniciou na Figueira da Foz sob o lema “Em Defesa dos Direitos”, eram esperadas críticas da associação sindical que representa a classe e organiza o encontro, mas quem acabou por surpreender foi o presidente do STJ.

António Henriques Gaspar, inspirado pelo lema do congresso, elaborou um discurso sobre os direitos em geral, mas já perto do final da intervenção focou-se nos direitos dos juízes. Lembrou que no plano das relações institucionais deve “guardar reserva na exposição pública de posições que pareçam conflituais”, mas resolveu libertar-se “um pouco deste espaço habitual de reserva”. 

“É condição essencial da democracia e direito fundamental dos cidadãos a existência de tribunais e juízes independentes, com deveres e condições definidas no estatuto. Estatuto que deveria ter, e espero que numa futura revisão constitucional venha a ter, dignidade de Lei Orgânica”, começou por afirmar.

O presidente do STJ lembrou que o estatuto material dos juízes foi democraticamente definido em 1990, “por unanimidade, pela Assembleia da República no uso da sua competência exclusiva, mas a execução foi parcial e transitoriamente suspensa ainda no mesmo ano, com efeitos desestruturantes que se têm agravado”.

“É bom de ver que uma tal situação é insustentável e constitui uma entorse na democracia que perdura há 27 anos. Vai sendo tempo de encontrar as condições que permitam a execução da lei”, acrescentou.

Recordou que “prestigiar devidamente o estatuto dos juízes” foi uma mensagem do Presidente da República na intervenção de 5 de Outubro, para acrescentar logo a seguir que, “numa democracia consolidada, não seria necessário recordar esta evidência”. “Esta circunstância expõe um sinal de crise nos equilíbrios democráticos.”

António Henriques Gaspar lembrou ainda que “nas posições expressas, os juízes não enunciam nada de novo; apenas afirmam a necessidade de cumprir de uma lei incumprida há quase três décadas”.

“Os juízes portugueses merecem o reconhecimento dos cidadãos e o respeito de quem, com ignorância insuportável, inquina as percepções”, terminou.

Esperadas eram as críticas do presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Manuela Paupério não poupou nas palavras, afirmando que o estatuto da classe tem sido “objecto de tratos de polémica".

A presidente da ASJP disse que as alterações ao estatuto já devia ter sido feita há seis anos e que “este protelamento sucessivo demonstra a pouca consideração votada à área de soberania e muito concretamente aos juízes”: “Revela o desapreço do poder político pelas condições efectivas de exercício da função de julgar.” 

“O que querem os juízes, é o respeito e a consideração devidos a qualquer cidadão que presta um serviço de elevado interesse público”, salientou.

No programa do congresso, divulgado há várias semanas, estava prevista as presenças do Presidente da República e da Ministra da Justiça, na sessão de abertura, e do primeiro-ministro, no encerramento. No programa ontem distribuído os três nomes lá continuavam. Só que Marcelo Rebelo de Sousa já tinha avisado no final de Agosto que não poderia estar presente, a ministra da Justiça também faltou por se encontrar no Luxemburgo em trabalho e António Costa, por razões de agenda, também não virá. A figura do Estado presente acabou por ser a secretária de Estado da Justiça, Helena Ribeiro.

Manuela Paupério lembrou as ausências no seu discurso quando falava sobre o facto de “outros poderes do Estado, por natureza mais fortes, porque detêm os meios e o poder para alterar as condições de exercício” da função dos juízes, “os isolem”, ou lhe “virem as costas.” “As ausências neste congresso são disso clamoroso exemplo.” 

 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários