Esquerda voltou a unir-se: indemnizações a Pedrógão só se o Estado for responsável

O PCP votou ao lado do PS contra artigos de um diploma que havia subscrito com PSD e CDS e prefere, agora, realçar o conjunto de outras medidas aprovadas, da saúde à habitação, passando por auxílios às empresas. Será criado um apoio social para as famílias carenciadas das vítimas mortais.

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Adriano Miranda

Depois de ter sido voz dissonante de socialistas e bloquistas unindo-se ao PSD e ao CDS para defender a necessidade de criar um mecanismo excepcional de apoios urgentes às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, o PCP deu um passo atrás e acabou por aceitar a proposta do PS que limita o acesso das vítimas a indemnizações apenas no caso de o Estado ser considerado responsável pela tragédia.

Assim, na quarta-feira à noite, na Comissão de Agricultura e Mar, os comunistas votaram inesperadamente ao lado do PS e do BE para colocar na lei que o Estado pague indemnizações apenas pelas perdas e danos dos quais se prove que foi “total ou parcialmente responsável". O PSD votou contra e o CDS absteve-se, mas entretanto, depois de contactado pelo PÚBLICO sobre as razões desse sentido de voto, já pediu aos serviços da comissão que corrijam para contra.

O deputado João Ramos (PCP) desvaloriza o facto de, desta forma, não serem permitidas indemnizações no imediato, e prefere valorizar todos os outros apoios excepcionais a que as vítimas podem ter acesso. A questão das indemnizações urgentes "era uma área vinda das propostas do PSD e do CDS. Consideramos que o texto vale pelo seu todo, é abrangente e transversal; não é correcto afunilar todo o conjunto de apoios no ponto das indemnizações", defende o comunista ao PÚBLICO.

Entre o rol de medidas de ajuda e indemnizações previstas pelo diploma, incluem-se apoios em matéria de saúde, habitação, acesso a prestações e apoios sociais de carácter excepcional, reforço da protecção e segurança policiais, reposição do potencial produtivo, apoios a empresas e mecanismos céleres de identificação das perdas.

Estas medidas constavam do projecto de lei inicial do PCP e foram incluídas no texto conjunto que reuniu também os projectos do PSD e do CDS que propunham a criação de uma comissão que analisasse e decidisse sobre o pagamento de indemnizações urgentes às vítimas dos incêndios de Pedrógão e outros dez concelhos limítrofes atingidos pelos incêndios ocorridos entre 17 e 24 de Junho.

No caso dos apoios sociais, o diploma conjunto previa, precisamente por proposta do texto inicial do PCP, a atribuição de uma prestação complementar de sobrevivência, mensal, para os familiares das vítimas mortais. Que o PS queria retirar do texto final.

"Avisámos o PS que íamos votar contra a eliminação dessa prestação às famílias e acabámos por chegar a um entendimento", conta ao PÚBLICO o deputado João Ramos. Assim, os socialistas reviram a sua proposta e ficou prevista a atribuição de um "apoio social complementar" aos familiares das 64 vítimas mortais tendo em conta a sua "situação familiar e de carência económica". Não ficou definida a sua periodicidade mas o comunista acredita que "certamente terá um carácter regular".

João Ramos recusa que tenha havido qualquer negociação entre comunistas e socialistas para que os primeiros cedessem na questão das indemnizações e os segundos na do apoio de sobrevivência. O deputado comunista, que se sente "satisfeito" com o diploma que amanhã vai a plenário para a votação final, realça que a "iniciativa para que se tomassem medidas urgentes surgiu por pressão do PCP" e que o partido queria "agilizar o processo para finalmente ter um instrumento para apoiar as vítimas e reabilitar o território".

PSD acusa PS de "abandonar princípios e pessoas"

À direita, o PSD queixa-se da atitude do PCP. O deputado social-democrata Nuno Serra acusa os comunistas de terem "abandonado os seus princípios e as pessoas ao alterarem o pressuposto inicial de as pessoas serem ressarcidas já e terem uma ajuda para recomeçarem a sua vida". "Foram atrás do PS. Para o PCP, o que se passou em Pedrógão afinal não foi algo anormal e o que se passou ali - os mortos e os incêndios - foi uma coisa banal", aponta o deputado.

Com esta versão da lei, "se o Estado vier a ser considerado responsável - depois de todo o processo moroso -, as vítimas poderão receber alguma coisa, não se sabe bem quando. Se o Estado não for responsável, as pessoas não têm direito a indemnizações. O PCP, o PS e o BE deixaram-nas à sua mercê", contesta ainda Nuno Serra. "Terão de esperar pelas peritagens, por relatórios e conclusões, pela assumpção de culpa do Estado e no fim de tudo... talvez recebam alguma coisa."

O deputado diz que o processo deixa assim de ter qualquer excepcionalidade e que a esquerda está até a negar uma das funções do Estado. "Aqui pretendia-se o contrário. Foi uma catástrofe que assolou uma região e o Estado devia assumir o seu papel: ajudar os que mais precisam."

A deputada centrista Patrícia Fonseca também critica este adiar do pagamento das indemnizações por contrariar o objectivo inicial da proposta da sua bancada de ressarcir as vítimas e as famílias o mais depressa possível. "O Estado tem de compensar no momento; depois apurava responsabilidades e fazia o encontro de contas. Foi a maior tragédia deste género de que há memória, tinha que ter um tratamento especial." Ainda assim, Patrícia Fonseca acredita que "no limite o Estado é sempre responsável" e que as indemnizações, embora tardem, irão aparecer.

A discussão deste assunto foi sendo sucessivamente adiada. Logo a 19 de Julho, último dia de votações na Assembleia da República antes das férias em que os três partidos levaram o texto a plenário, o PS permitiu apenas que se fizesse a votação na generalidade e não a votação final global. O diploma desceu então à Comissão de Agricultura e Mar.

Em Setembro, no início dos trabalhos parlamentares, o processo de recolha de alterações e a suspensão para a campanha eleitoral arrastou a discussão e votação do texto final para esta quarta-feira. E deverá chegar ao plenário amanhã - três meses depois de por ali ter passado inicialmente, e quatro meses depois da tragédia de Pedrógão Grande.

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