Um político ambicioso com amigos poderosos ajuda Hamas a dar passo inevitável

Desprovido de fundos e de aliados, pouco resta ao grupo islamista que tem governado Gaza para lá de fazer concessões. Mas Mohammed Dahlan, que não esconde a ambição de vir a liderar a Fatah, tem tido um papel fundamental.

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Saleh al-Aruri, da Fatah, e Azam al-Ahmed, do Hamas, apertam as mãos depois de terem assinado o acordo que negociaram no Cairo MOHAMED HOSSAM/EPA

Ao fim de uma década, Rawda al-Zaanoun está finalmente disposta a perdoar os homens que mataram o seu filho na guerra civil que dividiu a Palestina. Foi doloroso, diz, mas chegou o momento.

“Alvejaram-no pelas costas. Ele foi um mártir”, disse a mulher de 54 anos numa cerimónia em Gaza para assinalar a reconciliação das famílias dos que morreram na guerra. “Não foi uma decisão fácil, porque o sangue do nosso filho é precioso. Mas decidimos perdoar.”

O seu filho Ala, casado, pai de dois filhos e oficial das forças de segurança da Autoridade Palestiniana, foi morto em Gaza em Junho de 2007, quando saía de casa a correr para auxiliar o tio, ferido em confrontos entre o Hamas e a Fatah, as duas facções rivais palestinianas.

Desde então a Fatah, encabeçada pelos herdeiros seculares de Yasser Arafat, tem governado a Cisjordânia e liderado a internacionalmente reconhecida Autoridade Palestiniana, que negoceia com Israel.

Os seus rivais do grupo islamista Hamas, ramo da Irmandade Muçulmana, expulsaram a Fatah de Gaza e têm governado esta minúscula faixa costeira, onde vivem dois milhões de pessoas, quase metade da população dos territórios palestinianos.

É uma grande reviravolta do Hamas, mas o cisma está a terminar.

“O Hamas tem feito grandes concessões, e serão cada vez espantosas e surpreendentes, para concluirmos a reconciliação e acabar com a divisão”, disse o dirigente máximo do Hamas em Gaza, Yahya Al-Sinwar.

Se o Hamas tem de engolir vários elefantes para pôr fim ao conflito, com a Fatah, o antigo chefe de segurança de Gaza, Mohammed Dahlan, também tem a sua conta. Outrora o maior inimigo do Hamas, é hoje um figura maior nos esforços para restabelecer a unidade palestiniana.

Responsáveis dos dois lados da questão palestiniana dizem que Dahlan, que reside desde 2011 nos Emirados Árabes Unidos (EAU), está por trás de uma injecção de dinheiro para sustentar Gaza e fazer uma détente entre o Hamas, o Egipto e outros países árabes.

O regresso de Dahlan à ribalta pode ter consequências para a política palestiniana tão profundas quanto a reconciliação. Por muito odiado que tenha sido em Gaza por tentar desenraizar o Hamas, é talvez ainda mais vilipendiado pela cúpula da Fatah em Ramallah, por desafiar a autoridade do presidente Mahmoud Abbas. Ambicioso e carismático, há muito que Dahlan é suspeito de planear suceder a Abbas, de 82 anos.

Uma das iniciativas que promoveu em Gaza é o programa de reconciliação de famílias como os Zaanoun e 19 outras, que aceitaram 50 mil dólares de um fundo de caridade do Egipto e dos EAU, para renunciarem publicamente à vingança pela morte dos filhos. Zaanoun diz que a família enveredou pela reconciliação “pelo fim do derramamento de sangue, pela Palestina, pelo fim ao bloqueio de Gaza.”

Para recuperar a influência, Dahlan tem beneficiado da relação próxima com o Presidente egípcio Abdel Fattah al-Sissi, que subiu ao poder num golpe que afastou o Presidente da Irmandade Muçulmana, aliada do Hamas. “Dahlan usou os seus contactos com os serviços secretos egípcios, às vezes com intervenção directa de Sissi”, disse uma fonte do Golfo Pérsico.

Desprovido de fundos e de aliados, pouco resta ao Hamas senão fazer concessões. Durante anos, teve acesso a um apoio económico modesto mas constante da cada vez mais islamizada Turquia e do abastado Qatar, onde o Hamas tem o seu quartel-general. Mas este apoio tem desaparecido. O Egipto, a Arábia Saudita e os EAU impuseram um boicote económico e diplomático ao Qatar, acusando-o de financiar terrorismo

Por outro lado, o três conflitos com Israel deixaram muitas áreas residenciais de Gaza completamente pulverizadas, e a reconstrução tem sido travada pelo bloqueio israelo-egípcio, que Sissi poderá atenuar.

O histórico dirigente da Fatah Nasser al-Qudwa elogiou os passos do Hamas rumo à reconciliação. Mas atribuiu a súbita mudança de atitude “à crise governativa que o Hamas está a atravessar e à diminuição das alianças estrangeiras, bem como à difícil situação de alguns dos seus aliados tradicionais.” 

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