O renascimento de um ET cabo-verdiano

Os 150 anos do nascimento do poeta Eugénio Tavares são pretexto para celebrações em Portugal e em Cabo Verde.

O propósito é uma data, de relevante significado histórico: o nascimento de Eugénio Tavares (ET), nome maior das letras cabo-verdianas, nascido em 18 de Outubro de 1867, faz agora 150 anos. Tendo-a como referência, estão a realizar-se este mês em Lisboa diversas iniciativas culturais (já lá iremos) e está programada para a Cidade da Praia, em Cabo Verde, uma Festa do Livro a que foi dado o título de Morabeza e que contará com cerca de 40 escritores convidados, de 30 de Outubro a 5 de Novembro.

Eugénio Tavares, dizíamos? Pois se é ele que se fala, conheçamo-lo primeiro. Nascido na Ilha Brava, a mãe não sobreviveu ao parto, ficando órfão. Iniciou-se na poesia bem jovem, aos 12 anos, influenciado (escreve-se no portal dedicado à sua vida e obra) por vultos da cultura cabo-verdiana de então, como Guilherme Dantas, Augusto Barreto e Maria Luísa de Sena Barcelos. Publicaram-lhe o primeiro poema aos 15 anos, no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, e o reconhecimento por tal revelação fá-lo-ia sair da Brava para melhorar a sua formação, rumo à ilha de São Vicente. Aí colabora em jornais e revistas. Como poeta, já publica em crioulo, embora escreva igualmente em português. Muda-se depois para Santiago, onde acaba por ser forçado ao exílio: o regime, ainda o monárquico, quis silenciar nos jornais os ecos da fome que grassava na ilha e isso acabou por redundar numa perseguição que o fez exilar-se nos Estados Unidos, em New Bedford. Aí funda um jornal, Alvorada, e colabora também com jornais de outros países do continente americano, como o Brasil. Visitando a Brava clandestinamente, entre 1900 e 1910, regressa a Cabo Verde após a implantação da República em Portugal. E funda, com Abílio de Macedo e João Maria Parreira, o jornal A Voz de Cabo Verde, do qual foi redactor. Absolvido enfim do “crime” que lhe haviam imputado por razões políticas (um desfalque na Fazenda Pública), pode finalmente instalar-se em paz na sua Brava natal, em 1922, onde continua a compor e a escrever. Foi lá que morreu, subitamente, “fulminado por uma angina de peito”, no dia 1 de Junho de 1930.

Poeta, jornalista, escritor, Eugénio Tavares foi também um homem dedicado ao seu povo. Manuel Ferreira, no seu livro A Aventura Crioula, descreve-o como um “intelectual e cidadão que, em tudo, e sempre, se manteve coerente com os seus ideais de homem livre, encarnando, talvez como nenhum outro, a alma cabo-verdiana.” E essa alma deixou-a impressa, com particular notoriedade, na morna. “A letra das suas mornas constitui um inimitável manancial poético”, escreve o músico e investigador Vasco Martins no seu livro A Música tradicional Cabo-Verdiana - I (A Morna). Manuel Ferreira, na obra já citada, diz que foi Eugénio Tavares “quem mais ergueu o nível da canção”, imprimindo-lhe “delicadezas e ternuras próprias dos bons poetas líricos.” Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, no livro A Morna na Literatura Tradicional, inventariam-lhe vários títulos: Cusas des mundo, Andorinhas de bolta, Mal de amor, Morna de beijiça, Que importa’n lâ, Ná o menino Ná, Morna de Aguada. Mas há mais. E em 1932 a livraria e editora lisboeta J. Rodrigues & Cia já publicara umas 25 do mesmo autor no livro Mornas - Cantigas Crioulas. Registem-se ainda a célebre Hora di bai, escrita em finais do século XIX, a par de Mar eterno, Força de cretcheu, Despidida, Canção ao mar ou Nha Santana.

Pois é com Eugénio Tavares por patrono que se celebra o Dia da Cultura e das Comunidades Cabo-Verdianas em Lisboa, precisamente no mesmo 18 de Outubro em que nasceu o poeta, há 150 anos. Nesse dia, haverá no Auditório Agostinho da Silva da Universidade Lusófona (17h) uma conferência internacional com vários tópicos (Nativismo, Cidadania, Música, Bilinguismo, etc.) e, na véspera, um concerto de Nancy Vieira no Cinema São Jorge (21h) subordinado ao tema Lisboa, Capital de Sôdade. Mais adiante, no dia 30 de Outubro, será a própria Cidade da Praia, na Ilha de Santiago, a receber a primeira edição de Morabeza – Festa do Livro, com a qual o Ministério da Cultura de Cabo Verde pretende lançar as bases para uma internacionalização efectiva da produção literária cabo-verdiana.

Oportunidades, todas elas, para olhar com ainda maior atenção para Cabo Verde e para a sua cultura.

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