Rajoy devolve a bola a Puigdemont e dá-lhe uma semana para decidir

Madrid quer que presidente da Generalitat clarifique se declarou a independência. Presidente do Governo espanhol diz-se disposto para dialogar, mas garante que "não há mediação possível entre a lei democrática e a desobediência".

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Rajoy acordou com o PSOE discutir a revisão da Constituição e aceita discutir melhorias à autonomia catalã Sergio Perez/REUTERS

Mariano Rajoy não accionou a bomba atómica – o artigo 155º da Constituição – mas preencheu os formulários necessários para carregar no botão e passou o ónus da decisão para Carles Puigdemont, ao exigir-lhe que explique, sem margem para dúvidas, se proclamou a independência unilateral da Catalunha.

E apesar de prometer “actuar com prudência” e de ter chegado a acordo com os socialistas para discutir a revisão da Constituição, o presidente do Governo espanhol rejeitou o diálogo nos moldes que interessam a Barcelona, limitando a margem de manobra política da Generalitat.

A meio de uma semana que se anunciava crítica para o desenrolar daquela que é a pior crise constitucional na História da Espanha democrática, nem Madrid ou Barcelona usaram todas as suas munições. Mas nenhum dos lados deu também passos decisivos que abram caminho a uma solução política.  

Tão rapidamente como assumiu “o mandato do povo para que a Catalunha se converta num Estado independente em forma de república”, o presidente do governo autónomo catalão pediu ao parlamento que suspendesse a declaração – decepcionando a ala mais dura do bloco independentista, mas oferecendo a Rajoy uma última oportunidade de diálogo.

Na resposta, anunciada nesta quarta-feira após uma reunião do Conselho de Ministros, o presidente do Governo espanhol anunciou ter enviado um requerimento à Generalitat para que Puigdemont “clarifique se declarou ou não a independência”. “A resposta do presidente da Generalitat irá definir as decisões que o Governo adoptará nos próximos dias. Se Puigdemont regressar à legalidade irá pôr-se fim a esta época de incerteza e regressará a tranquilidade”, acrescentou, afirmando que, da sua parte, actuará com “prudência e responsabilidade”.

Mais do que um gesto de desanuviamento, o envio do requerimento a Barcelona é uma condição prévia exigida pelo próprio artigo 155º da Constituição espanhola. Isto levou a imprensa madrilena a noticiar que, na prática, o Governo pôs já em marcha a aplicação desta norma – que não suspende as instituições autónomas mas dá ao Estado central poderes para intervir directamente na Catalunha e adoptar as “medidas necessárias” para repor a lei, incluindo a convocação de eleições regionais.

Contudo, o requerimento – que a Generalitat confirmou ter recebido na tarde desta quarta-feira – dá a Puigdemont cinco dias para responder a Madrid (ou seja até à próxima segunda-feira) e mais outros três para rectificar a sua posição, adiando para a próxima quinta-feira, dia 19, a reacção oficial de Madrid.

Diálogo mas limitado

“Às graves consequências a que já assistimos vão seguir-se outras ainda piores se não se regressar o quanto antes à legalidade”, avisou Mariano Rajoy, horas mais tarde, na sua primeira intervenção no Congresso desde o referendo catalão, uma consulta, insistiu, “ilegal e fraudulenta”. “Não existe um único país no mundo que tenha levado minimamente a sério” a votação de 1 de Outubro, disse o líder do Partido Popular, para quem “os únicos responsáveis” pelas lamentáveis cenas de violência “são os que insistiram na realização da consulta”.

O governo autónomo catalão não respondeu de imediato ao repto – Marta Rovira, secretária-geral da Esquerda Republicana da Catalunha e porta-voz da coligação Juntos pelo Sim, lamentou apenas que Rajoy tenha optado por não responder à proposta de diálogo, optando pelas ameaças.

E numa entrevista à CNN, Puigdemont assegurou que, com a suspensão da declaração de independência, quis sobretudo contribuir para desanuviar a situação. Barcelona, acrescentou, está disponível para “um diálogo sem condições”, mas Madrid “tem de reconhecer a realidade” e assumir “que a relação entre a Catalunha e Espanha não está a funcionar” e que “há uma maioria do povo catalão que quer que a Catalunha se converta num Estado independente”.

Rajoy não podia estar mais em desacordo. Disse que “não há mediação possível entre a lei democrática e a desobediência ou ilegalidade”, insistiu que a independência não tem nem nunca teve o apoio da maioria dos catalães e assegurou que a unidade de “Espanha não se vai desfazer enquanto assim não o decidirem os seus cidadãos”.

“Pode dialogar-se numa situação como esta? Sim, sem dúvida”, mas apenas nos limites previstos pela lei, afirmou o presidente do Governo espanhol, adiantando que, no caso de Puigdemont recuar, aceitará discutir com ele “os serviços públicos, o financiamento e o aperfeiçoamento da autonomia.

Pela manhã, o líder do PSOE anunciara já que, em troca do apoio dos socialistas à activação do artigo 155º, Rajoy aceitara discutir a revisão da Constituição já no próximo ano – uma reivindicação antiga dos socialistas que querem discutir o modelo actual das autonomias. Rajoy admitiu que a Constituição “não é uma lei perpétua nem tem pretensão a sê-lo”, mas afirma que não aceitará que, sob a capa do diálogo, “se queira avançar pela via da ilegalidade, das emaças, dos factos consumados”.

Menos de 24 horas depois de Puigdemont lhe ter passado a bola, o líder conservador devolveu-a ao presidente da Generalitat, que tem agora de decidir qual dos ultimatos acata: ou o de Rajoy, ou o da CUP, a formação anti-sistema que lhe garante a maioria no parlamento de Barcelona e lhe deu um mês para tornar efectiva a declaração de independência. “Se ele optar pela ambiguidade, o movimento independentista irá fragmentar-se; se insistir em defender a independência Rajoy aplicará o artigo 155º”, disse à Reuters António Barroso, da firma de consultadoria Teneo Intelligence. Qualquer das opções, diz o analista, pode servir os objectivos de Madrid. 

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