Mudanças na floresta: onde pára o dinheiro?

Quem, nos meios políticos e nos “fazedores de opinião”, perguntou onde está a prioridade da floresta no Orçamento para 2018?

Porque foi difícil escolher entre o mês que falta para a entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República ou os três meses já passados sobre o incêndio de Pedrógão Grande, nada melhor do que fazer o que os publicitários “descobriram” há muito: escrever “dois em um”.

De facto, três meses passados sobre a catástrofe de Pedrógão (e dois sobre a aprovação da chamada Reforma Florestal), os portugueses — embora os estudos e os relatórios não estejam terminados e entregues — concluíram (ou foram levados a concluir) que:

  •  O SIRESP falhou (em relação a quê? Ao que devia fazer ou àquilo que lhe foi contratado?);
  • A Reforma Florestal, apresentada para discussão pública ainda no ano anterior — e aprovada à pressa e atabalhoadamente no Parlamento antes das férias, por orientação expressa do senhor Presidente da República —, é o “caminho certo” (para onde?);
  • O eucalipto — já “excomungado” no Programa do Governo por “razões políticas conjunturais” — é/foi manifestamente “culpado” (de quê e porquê?). Eu diria que é seguramente tanto ou mais culpado que o comandante da Protecção Civil que se atreveu a comandar (legalmente) mas sem um “canudo clássico”...;
  • A prevenção dos fogos florestais é manifestamente insuficiente e dispõe de muito menos meios financeiros e prioridade que os destinados ao combate dos ditos fogos (coisa antiga, aliás);

Urge a tomada de medidas que tornem financeiramente viáveis, para os proprietários florestais, algumas das soluções florestais ambientalmente mais interessantes e que hoje não são economicamente possíveis (coisa igualmente “antiga” e que justificou a criação do Fundo Florestal Permanente em 2004, contra o qual votou na altura o deputado que hoje é ministro da Agricultura).

Vejamos agora como tudo isto se relaciona com o que até agora se conhece da proposta de OE para 2018:

  • O SIRESP vai ser “descontratado”, “alargado”, “melhorado”, “processado”, etc. (consoante os dias, os autores oficiais e as notícias), mas, seguramente vai ter mais dinheiro no Orçamento para 2018;
  • A Protecção Civil vai ter novos dirigentes e os meios que decorrem do relatório que já apresentou à tutela, no sentido de se poderem “incrementar” as competências e meios de que já dispõe (no papel), sendo para tal o Orçamento para 2018 devidamente dotado;
  • A Reforma Florestal, olhando para os diplomas aprovados, será levada a cabo com os mesmos meios financeiros que estavam disponíveis nos anos anteriores (“gerem-se” os meios financeiros dos fundos antes aprovados por Bruxelas, numa lógica de “manta curta”, tirando de um lado e colocando no outro... se o Ministério das Finanças não cativar a sempre obrigatória contribuição nacional);
  • A proibição (na prática) de novos eucaliptais não tem custos adicionais para o Orçamento de 2018 (eles só virão mais tarde) e regressa-se às micro-plantações selvagens que, de novo, ninguém sabe quantas são, onde têm lugar e como são executadas. Quanto ao comandante da Protecção Civil... também não tem custos porque decidiu sair pelo seu pé batendo com a porta;
  • O Programa de Revitalização do Pinhal Interior já recomendou medidas certas e ajuizadas mas no Orçamento para 2018 nada ad hoc parece estar inscrito... “porque se vão buscar verbas agrícolas e ambientais de Bruxelas, antes previstas para outros fins”;
  • O início (ao menos, o início!) da reformulação da escala da propriedade florestal e a melhoria da sua gestão — temas em que todos pareciam estar de acordo — não terá um cêntimo adicional no Orçamento para 2018 porque “o quadro legal para essa mudança não foi ainda definido e, por isso, não existe” e porque não há (nunca há...) dinheiro para tudo...

Resumindo: a famosa Reforma Florestal vai fazer-se sem qualquer músculo financeiro associado, as medidas de fundo não foram, afinal, tomadas e as prioridades e compromissos políticos não passam pela floresta!

Já todos vimos ou lemos as promessas sobre os “esforços financeiros” previstos para 2018: desbloqueamento de (algumas) carreiras e integração dos “precários” na Função Pública, mais dinheiro para (alguns) funcionários do Estado, menos IRS... para (quase todos) os funcionários públicos, mais meios para o combate aos fogos, transformação progressiva dos sapadores florestais em funcionários camarários e até recuperação das casas dos Guardas Florestais e reconstituição dessa Guarda (sic!), etc.

Até vimos (e lemos nas caixas Multibanco) um “convite” (farsa aliás em moda em muitos sítios), solicitando propostas para um chamado “Orçamento participativo” destinado a repartir pouco mais de três milhões de euros! Mas não é para tomar essas e outras decisões que os executivos são eleitos? No limite, colocava-se a totalidade das verbas do Orçamento num “Orçamento participativo” e já ficavam contentes os portugueses necessários para ganhar as eleições seguintes (partindo daquele velho provérbio “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte”...).

Mas, caros leitores: quem já viu ou leu algum deputado ou partido (de todas as cores) perguntar onde estão, no Orçamento para 2018, os meios necessários para alterar o actual declínio da floresta e dos seus produtos (tangíveis e intangíveis) [1]? Ou, porque não no caso de Pedrógão, reclamar verbas do OE para alavancar/multiplicar, complementando-os, os donativos já disponibilizados pela sociedade civil? Quem, nos meios políticos e nos “fazedores de opinião” — que nos encheram de lágrimas de crocodilo após Pedrógão —, perguntou onde está a prioridade da floresta no Orçamento para 2018? Ou será que o dinheiro anterior era suficiente mas estava “apenas” escandalosamente mal distribuído e aplicado?

Seguramente que se o assunto fosse (ou tivesse passado a ser) prioridade nacional — como nos foi “cantado” até às primeiras chuvas de Setembro —, essas verbas teriam de existir e ser bem visíveis na proposta de OE para 2018. Mas não são!

[1] Para quem julga que o sector florestal (e, nalguns casos, pelo menos uma das suas empresas) é um pequeno gueto folclórico de agrários e celuloses, é bom que se recorde que o sector “vale” para o país, em todas as valências comparáveis, muitas Autoeuropas.

 

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