PT está a dizer aos trabalhadores sem funções para irem para casa

Empresa já fez chegar informação sobre dispensa de assiduidade a uma centena de funcionários. ACT está a analisar, diz a comissão de trabalhadores.

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Os sindicatos da PT aguardam uma reunião com a nova presidente da empresa, Cláudia Goya Mario Lopes Pereira

A PT está a dispensar os trabalhadores que estão sem funções da obrigação de comparecerem nos seus locais de trabalho. Apesar de não lhes dar serviço para fazer, a operadora da Altice impunha aos trabalhadores um horário laboral rigoroso. Mas, agora, o que pretende é que passem os próximos três meses em casa, a partir da próxima segunda-feira, 16 de Outubro.

A informação começou a chegar aos trabalhadores no início do mês, através da apresentação de um despacho assinado pela directora de recursos humanos da PT/Altice, Ana Rita Lopes, que autoriza, “a título excepcional e temporário, a dispensa de assiduidade”. De acordo com um destes documentos a que o PÚBLICO teve acesso, a direcção de recursos humanos dá aos trabalhadores a possibilidade de deixarem de se deslocar às instalações da empresa entre 16 de Outubro a 15 de Janeiro de 2018, embora advirta que a “dispensa de assiduidade pode cessar a qualquer momento por iniciativa da empresa”.

Esta isenção de assiduidade, que os trabalhadores são livres de aceitar ou rejeitar, já foi comunicada a mais de uma centena de pessoas, em vários locais onde há trabalhadores sem funções efectivas, de acordo com os dados que chegaram à comissão de trabalhadores e sindicatos. Estas estruturas representativas dos trabalhadores da PT/Meo foram apanhadas de surpresa pela medida e ontem pediram à equipa de gestão liderada por Cláudia Goya que “suspenda o processo enquanto este não for discutido e os seus contornos explicados”.

Contactada pelo PÚBLICO, a PT esclareceu que "foram pedidas contribuições aos sindicatos que até ao momento ainda não foram recebidas. As soluções encontradas pela PT / Altice até à data passam por: encontrar funções para os trabalhadores em causa, propor condições vantajosas de saída e dar dispensa de assiduidade até se conseguir encontrar o enquadramento adequado”.

“A empresa tem que explicar quais são os seus objectivos”, disse, por seu turno, ao PÚBLICO Francisco Gonçalves, da comissão de trabalhadores, frisando que “ninguém pode ser obrigado a não comparecer, nem ser impedido de se apresentar na empresa”.

No relatório que entregou no Verão ao Governo sobre as acções inspectivas realizadas na PT entre Janeiro e Junho, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) deu conta de mais de uma centena de infracções relacionadas com a violação do dever de ocupação efectiva dos trabalhadores. Agora, os sindicatos e a comissão de trabalhadores temem que a PT esteja a usar a dispensa de assiduidade como “um expediente para contornar” o dever de ocupação efectiva, “transferindo a violação do local de trabalho para a casa dos trabalhadores”.

O tema foi abordado ontem numa reunião com a ACT, em que a entidade confirmou já estar a par do despacho de isenção. A entidade inspectiva está, segundo adiantou ao PÚBLICO a comissão de trabalhadores da PT, a “analisá-lo em todas as suas vertentes”.

Além de alertarem que esta poderá ser uma estratégia da operadora para lidar com futuras acções de fiscalização, a comissão de trabalhadores e os sindicatos também consideram que a dispensa de assiduidade fragiliza os trabalhadores, porque, uma vez “desinseridos da realidade da empresa”, tornam-se mais permeáveis às propostas de rescisão de contrato (a ACT também recolheu evidências de situações de assédio e os sindicatos têm denunciado a pressão da empresa sobre os trabalhadores para que aceitem rescindir contratos).

“A avaliação” sobre se deve aceitar ou não a isenção de assiduidade “deverá ser feita por cada trabalhador”, mas o que “as organizações representativas dos trabalhadores defendem é que estes sejam integrados em funções efectivas”, sublinhou Francisco Gonçalves.

“É um presente envenenado”, disse ao PÚBLICO um dos trabalhadores a quem foi comunicada a situação de dispensa. Definindo-a como “uma tentativa de enfraquecer a posição na reivindicação pelo direito ao trabalho”, o mesmo trabalhador, que pediu anonimato, afirmou que nada impede a empresa de renovar a dispensa por mais três meses e, com isto, “tornar mais fácil a justificação da extinção do posto de trabalho”.

Sobre a reunião com a ACT, Francisco Gonçalves notou ainda que a instituição liderada por Pedro Pimenta Braz se comprometeu a continuar a acompanhar a situação dos trabalhadores sem funções na PT (os números rondam as duas centenas, embora a contabilização não seja estática, porque alguns vão sendo transferidos esporadicamente para funções temporárias) e a fiscalizar “a manutenção dos direitos dos trabalhadores transmitidos” pela PT através da figura da transmissão de estabelecimento.

No seu relatório sobre a PT, a ACT remeteu a análise sobre a legalidade da utilização do regime da transmissão de estabelecimento para os tribunais, mas as suspeitas sobre a actuação da empresa (que conseguiu transferir mais de 100 trabalhadores) levaram o Bloco de Esquerda, o PCP, o PS e o PAN a proporem alterações ao Código do Trabalho para apertar os critérios de utilização da figura da transmissão e penalizar os empregadores que o utilizem de forma fraudulenta.

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