Rua das Flores vai perder um alfarrabista este ano

Depois de negociações, o alfarrabista João Soares conseguiu adiar o encerramento da livraria por mais uns dias. Tem até ao fim deste ano.

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A livraria, com o espaço que tem agora, representa a quinta parte do espaço total que João Soares tem naquele piso. Depois, ainda tem a cave e metade do primeiro andar Paulo Pimenta
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As gerações que foram passando à porta do nº40 da Rua das Flores viram aquela casa tomar várias formas: desde um armeiro a um fabricante de munições, passando por uma loja de bric-à-brac até se tornar num alfarrabista que, para já, ainda está lá. João Soares tem 72 anos e passou 20 dos quais à frente da livraria. Há cerca de um mês soube que o prédio onde está a loja estava à venda e, agora, vai ter de sair. Com cerca de 7 mil livros, o alfarrabista negociou os termos de saída. Não a conseguiu evitar mas ganhou mais do que os 60 dias que lhe tinham dado. Tem de tirar todos os livros até 31 de Dezembro.

Ainda não sabe para onde vai ou se vai manter o negócio aberto. Na segunda-feira foi visitar um espaço na zona do Marquês, mas era um primeiro andar, sem elevador e com uma renda elevada. “Só posso pagar 500 ou 600 euros, senão não compensa”, explicou, afirmando que as “rendas estão a preços exorbitantes”, ainda mais comparando com os 85 euros que paga actualmente. “Estamos todos a ter de sair e vai acontecer a mais”, garantiu, apontando a tabacaria na esquina da rua com a Mouzinho da Silveira como a próxima a fechar.

O sinal de 50% de desconto na entrada e na janela de portadas vermelhas passa um pouco despercebido. “As pessoas não se apercebem que está tudo a metade do preço, mas vai ajudando a vender mais”, afirmou, relatando a história de um jovem que, surpreendido com o preço inesperado, levou outro livro com o dinheiro que sobrava. “Aqui tem de tudo um pouco. Só não tem e nem terá pornografia”, explicou, garantindo que apesar de não ter lido todos os livros, sabe do que tratam, “nem que seja pela leitura do índice” e que tem alguns “que nem chegaram a estar à venda em Portugal”.

Para quem entra na livraria, pode parecer difícil encontrar um sentido na arrumação. Há livros de pé, de lado e deitados nas estantes e pilhas de publicações na mesa do centro, no balcão e no chão. Mas “tirando o que as pessoas mudam de sítio, sem devolverem ao lugar de origem”, João Soares sabe onde está tudo. Artes do lado esquerdo e ciências do lado direito. Desde que a loja abriu, a ordem não mudou “praticamente nada”, segundo o alfarrabista.

João Soares vai recebendo muitos turistas dentro da loja. Entram, fotografam e saem. “Não compram muito”, disse, explicando que as fotografias que tiram ou os postais que compram servem de lembranças, “já que os livros são pesados” para as “viajantes low-cost, com limite de peso de bagagem”. Actualmente, João Soares consegue vender livros na maioria dos dias. Escoa um terço do que vendia no ano passado e metade do que há dois.

Foi em Outubro de 1955 que comprou o primeiro livro usado. “Estava no primeiro ano na escola Alexandre Herculano. A partir daí foi sempre a comprar”, afirmou. Os livros foram-se juntando e o alfarrabista, que na altura trabalhava num banco, começou a ir a feiras de usados. “A primeira foi a Vandoma, em Abril de 1975, nas escadas do pelourinho”, descreveu, explicando que ia vender, comprar e trocar livros. 

Texto editado por Ana Fernandes     

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