Palavra de Chacal: são as diferenças que fazem vender livros

O agente literário mais poderoso do mundo passou pela Feira do Livro de Frankfurt para defender a importância de editar para as minorias, "porque elas estão em maioria". Não é só uma receita para vender livros, sublinhou: também serve para "resolver conflitos".

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Andrew Wylie Billy Farrell/Patrick McMullan/Getty Images
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Andrew Wylie, tido como o agente literário mais poderoso do mundo, tem como cognome "O Chacal" Billy Farrell/Patrick McMullan/Getty Images

Andrew Wylie, o agente literário mais poderoso do mundo editorial, conhecido no meio pelo cognome “O Chacal”, quis impressionar a sua mulher e por isso levou-a a viajar. Foram ao Japão e à China, para que ela conhecesse sítios onde nunca tinha estado. Mas, à medida que iam viajando, foram-se apercebendo de que os lugares são todos muito parecidos e que se tratava mais de experimentar "um olhar diferente perante algo idêntico do que um olhar similar perante coisas diferentes”.

Foi isto que o norte-americano detentor dos direitos das obras de José Saramago e de António Lobo Antunes, só para mencionar autores portugueses, veio dizer no discurso que abriu as habituais conferências sobre o mercado editorial que acontecem antes da Feira do Livro de Frankfurt – e que têm lugar no Business Club, acessível apenas a quem paga para ser membro ou a jornalistas acreditados.

E o que tem isto a ver com o mercado editorial? Autores como o norueguês Karl Ove Knausgård, “que examina em microcosmo a sua vida familiar na Noruega"a nigeriana Chimamanda Ngozie Adichie “que reflecte sobre a sua vida de expatriada nos Estados Unidos” ou ainda Edouard Louis, que descreve o que é ser gay numa França rural", não estão a ver coisas diferentes, estão a ver coisas de uma maneira diferente”, esclareceu Andrew Wylie. “As preocupações diárias de Knausgård na Noruega são idênticas às experiências que temos em Chicago, Lagos, Xangai e Dubai.” O que está em causa são diferentes maneiras de ver o que é universal.

“Os editores alimentam nos seus públicos o desejo de conhecimento, de serem entretidos ou de alargarem as suas experiências. E o local é global”, disse o agente literário, explicando que os leitores querem experimentar coisas que desconhecem mas ao mesmo tempo não dispensam algo que lhes seja familiar. Quando lhe perguntam se tudo era melhor antigamente, Andrew Wylie, que tem hoje 69 anos, responde que não, que era só diferente. Os livros e os escritores chegavam a menos pessoas, o mercado editorial era mais local.

No seu discurso, notou que nos tempos que correm, na era de Trump e dos nacionalismos, o papel dos Estados Unidos no mercado editorial não está posto em causa: “Para que um autor seja global, precisa primeiro de ter sucesso no seu país natal, no mercado local, e em segundo lugar de ser publicado nos Estados Unidos. Só depois, e em terceiro lugar, é que será traduzido no resto do mundo."

Acrescentou que os autocratas e as sociedades autocráticas estão destinados ao fracasso: “As pessoas querem mais; querem viajar, localmente e globalmente, para encontrarem diferentes perspectivas, porque é assim que o mundo é. Faz parte da condição humana." E, neste cenário, o papel do agente literário é vasculhar o mundo para encontrar diferentes perspectivas – e para assumir o risco quando os editores têm instintos conservadores. Daí a importância de publicar livros para as minorias, porque elas estão em maioria. “Vemos as coisas de diferentes maneiras. Os populistas não concordam com isto, para eles não há outra perspectiva. Mas é essa diferença que estimula os leitores e que faz vender livros. E que resolve conflitos.”

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