Angola e as ausências marcantes

António Costa não foi a Angola, mas Angola veio até António Costa.

O primeiro acto de relevo do novo Presidente de Angola, João Lourenço, foi escolher os ministros do seu governo. O segundo foi exonerar um deles, António Rodrigues Afonso Paulo, que tinha sido escolhido para liderar a pasta da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Isto porque não compareceu à cerimónia de tomada de posse do novo governo. Ou já tinha sido dado como indesejado entre a escolha e o acto público, ou a ausência significou desrespeito, algo imperdoável.

A verdade é que os sinais dados são como as impressões: os primeiros contam mais. E a primeira impressão do novo Presidente de Angola junto de Portugal também foi de demonstração de força, através das ausências. A ausência de Portugal no discurso de tomada de posse de João Lourenço, nomeadamente quando elencou 12 exemplos de países que são “importantes parceiros” de Angola, incluindo aqui também a Espanha, a par de casos evidentes como a Rússia, China e Brasil.

Destaco Espanha porque foi a este país que João Lourenço se deslocou já como vencedor das eleições, e foi à agência espanhola Efe que deu a primeira entrevista nessa qualidade, algo que é tão natural como o presidente do Peru dar a sua primeira entrevista à agência portuguesa Lusa. Há, depois, a outra ausência: a do primeiro-ministro, António Costa, e que nem o Presidente da República, normal centralizador de atenções, conseguiu disfarçar.

Em bom rigor, tal teria sido muito mais fácil se poucas semanas antes, numa entrevista ao Expresso, António Costa não tivesse dito que o normal seria ir ele à tomada de posse do general e até aqui ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, e que teria de articular isso mesmo com Marcelo Rebelo de Sousa. Faltou foi a articulação com Angola, que viu António Costa fazer-se de convidado quando as justiças dos dois países andam às cabeçadas, e não incluiu o seu nome na lista. Antes, já tinha sido adiada uma deslocação a Luanda da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.

É bastante provável que a menção a Portugal estivesse subentendida quando João Lourenço falou de “outros parceiros não menos importantes”, aos quais o país dará primazia, desde que esses parceiros “respeitem a nossa [de Angola] soberania”. Logo de seguida, o discurso entrou na vertente da diplomacia económica. Se não foi pensado, podia muito bem ter sido, porque o que acontece de forma profunda em Angola tem impactos em Portugal, devido às ligações ao nível de migrantes, comércio e investimentos — muitas vezes com participações cruzadas.

No meio de todo este processo está Manuel Vicente, anterior vice-presidente de Angola e ex-presidente da petrolífera estatal Sonangol.

A sua força política caiu a pique, mas é um dos membros da elite angolana, e Luanda não gosta que os de fora mexam com os seus. E ter a justiça portuguesa a querer julgar Manuel Vicente por suspeita de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documento, no âmbito da operação Fizz, é certamente algo que não é bem visto. Pelo meio, há a questão da imunidade de Manuel Vicente.

Em entrevista à CMTV, António Costa já afirmou ter feito um pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de modo a que este se pronuncie sobre a questão da imunidade do antigo número dois do regime angolano. No fundo, António Costa não foi a Angola, mas Angola veio até António Costa.

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