Isaltino Morais, o mito por trás do sucesso

Fomos nós que fizemos o nosso concelho e não um qualquer mártir. Daqui em diante, espero que finalmente Isaltino torne prioridade aquilo que veio a negligenciar durante os seus anteriores mandatos, embora duvide que o que ainda não foi feito em 30 anos venha a ser feito nos próximos

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José Sena Goulão/Lusa

Sou oeirense desde que nasci, não conheço outra residência que não um apartamento em Linda-a-Velha. Vivo num dos concelhos mais ricos e com melhor qualidade de vida do país e tenho noção desse privilégio. Como tal, testemunho na primeira pessoa um fenómeno chamado Isaltino Morais desde muito novo.

Para entender o fenómeno, dei por mim a pensar o que poderia justificar que, após mais de 30 anos desde a sua primeira eleição, fosse dada tanta força e poder, através de uma maioria absoluta, a um ex-presidente condenado por corrupção passiva, fraude fiscal, abuso de poder e branqueamento de capitais (ainda que, de recurso em recurso, alguns dos crimes tenham prescrito, mas houve condenação e não apenas acusação).

Olhando para a minha experiência pessoal, e abordando áreas em que a autarquia tem alguma influência, não consigo perceber que razões podem levar à renovação de confiança no autarca de forma tão peremptória. Até há bem pouco tempo deslocava-me de transportes públicos, dos mais caros da Área Metropolitana de Lisboa, com diversas falhas, horários em que só é admissível movimentar-me entre as 8h e as 19h, pois a probabilidade de esperar uma hora ou mais por um autocarro aumenta exponencialmente fora desse horário, especialmente ao fim-de-semana, e com uma linha férrea e respectivos comboios ultrapassados. Agora que me desloco de carro, por vezes, demoro mais tempo a sair de Linda-a-Velha do que a fazer o percurso da A5 até ao meu trabalho em Lisboa. A autarquia sempre reconheceu o problema de mobilidade e até tomou medidas em relação a isso: criou o SATU que planeava ligar todo o concelho através de um sistema de transportes moderno, sem motorista. Infelizmente (ou felizmente), não passou da 1.ª fase de construção, fase essa que tem apenas 1,15km e custou 23 milhões de euros, financiados em parceria com privados e ficando a Câmara Municipal de Oeiras o seu principal accionista (51%), suportando, assim, boa parte das perdas que se seguiram.

Quando estou doente, costumo ir ao Hospital de São Francisco Xavier em Lisboa, pois não existe hospital com serviço de urgência no concelho. Apenas um centro de saúde em Paço de Arcos que serve de urgência a mais de 170 mil habitantes (e apenas de segunda a sábado). Durante seis anos, estudei numa escola secundária com mais de 30 anos que, até à data, continua a ter coberturas de amianto, embora sejam proibidas por lei. Quando deixei a escola, já há algum tempo que algumas casas-de-banho não se encontravam em condições de utilização e as salas precisavam de urgente renovação. Enquanto isso, era criada uma escola-modelo no centro do concelho levando boa parte do orçamento disponível para remodelações das escolas. Bem, mas poderia ser apenas a minha experiência e, de facto, Isaltino ter tido mérito em muitas outras questões, testemunhadas por pessoas mais velhas, até porque quando eu nasci já Isaltino era presidente há oito anos.

Nesse sentido, procurei a experiência de outros e os seus argumentos a favor do autarca. Frases como “roubou mas fez” são comuns. Bem, em primeiro lugar, Isaltino não roubou nada a ninguém. Felizmente, Portugal não é Angola e ainda não são conhecidos casos de autarcas que se apoderam de dinheiros públicos. Passando esse nível de argumentário à frente, o sumo que me foi possível extrair passa em grande parte por três argumentos bastante populares:

1) “Oeiras é o concelho com maior poder de compra do país e maior percentagem de licenciados e esse facto deve-se à capacidade que a gestão autárquica teve em atrair estas pessoas para o concelho.” Faria sentido, se fosse verdade. Os números não mentem: segundo os censos de 1981, quatro anos antes de Isaltino tomar posse, Oeiras já era o concelho com maior percentagem de licenciados do país e já era o 4.º com maior poder de compra. Trinta anos depois, em 2011, Oeiras tinha até caído para 2.º lugar no que diz respeito à percentagem de licenciados e subiu de 4.º para 2.º lugar no que toca ao poder de compra. Olhando para estes dados é fácil constatar que Oeiras já era um dos concelhos mais ricos e qualificados.

2) “O concelho de Oeiras estava inundado de barracas e foi durante o seu mandato que foram construídos bairros sociais e destruídos os bairros de lata e a criminalidade diminuiu devido ao esforço de dar uma vida mais digna às pessoas que lá habitavam”. Tal como Oeiras, Portugal era um país consideravelmente mais pobre antes de entrar na União Europeia. Após a entrada, foi criado o Programa Especial de Realojamento (PER) que visava precisamente destruir a construção ilegal de habitação e realojar as suas populações. As verbas foram (e são) distribuídas pelos municípios de acordo com as suas necessidades. A realidade em Oeiras era dramática, mas não tanto como nos concelhos de Amadora e Sintra, por exemplo. Não é de estranhar que num dos concelhos mais ricos do país tenha sido mais fácil resolver esse problema. Aquilo que é realmente responsabilidade directa da CMO prende-se com a inclusão social que, a meu ver, foi insuficiente. Trinta anos depois, temos os mesmos bairros, com as mesmas caracterísiticas, vivendo no seu círculo e longe da comunidade. Aliás, a variação da criminalidade foi consideravelmente mais baixa do que no resto do país, caindo de 33 para 30 crimes cometidos por cada mil habitantes, valor superior, por exemplo ao concelho de Sintra e descendo, assim, no ranking.

3) “Isaltino foi responsável indirecto pela fixação de empresas multi-nacionais no nosso concelho, pois optou por baixar a taxa de IMI de modo a ser a mais baixa do país”. Reconheço qualidades no autarca, o facto de termos muitas empresas multi-nacionais a operar no concelho ajuda o mesmo a valorizar-se e atrair trabalhadores qualificados. Não sei se alguma vez a taxa de IMI foi a mais baixa do país, mas esteve e está abaixo da média. É também factual que a CMO é das câmaras que mais recolhe impostos municipais (per capita) do país e que a saúde financeira da autarquia recomenda-se. Perguntam os munícipes o que planeia a CMO fazer com os excedentes acumulados e a resposta é a seguinte: uma nova sede que custará entre 28 e 35 milhões de euros. Não sabemos o que pensa Isaltino acerca do assunto, pois pouco sabemos sobre os seus planos para o concelho. Fugiu a todos os debates e a sua campanha baseou-se no trabalho feito nos últimos 30 anos.

Feitas as contas, Isaltino Morais é a prova de que o sistema judicial e prisional português funciona. Estamos perante um cidadão restaurado e plenamente integrado na sociedade, ao ponto de regressar, conquistar uma maioria absoluta e insistir que, após ter sido condenado por quatro crimes no âmbito da gestão municipal, os oeirenses têm um dever de gratidão para com ele. A gratidão foi prestada nas urnas, aparentemente.

Agora, dirijindo-me em concreto para quem nele votou, espero que o grau de exigência suba muito, pois não poderão ser perdoados erros a quem já tomou tantas decisões erradas e que foi, no fundo, um autarca inteligente e que soube colocar a seu favor tudo aquilo que de bom o concelho e os munícipes tinham para lhe oferecer, fazendo, assim, um trabalho razoável. Se isto vale 30 anos a cometer crimes enquanto geria um concelho que partiu claramente em vantagem face aos restantes? Não. É por isso que continuarei a lutar, para que os meus concidadãos se apercebam que fomos nós que fizemos o nosso concelho e não um qualquer mártir. Daqui em diante, espero que finalmente Isaltino torne prioridade aquilo que veio a negligenciar durante os seus anteriores mandatos, embora duvide que o que ainda não foi feito em 30 anos venha a ser feito nos próximos.

Texto actualizado às 11h06 de 12 de Outubro.

Foram clarificados alguns dados relativos ao investimento no SATU.

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