Presa na sua fragilidade, May não consegue agradar a ninguém

UE rejeita que a "bola esteja do seu lado" para fazer avançar negociações. Eurocépticos criticam cedência da primeira-ministra sobre Tribunal de Justiça da UE.

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A mera sugestão de que poderia demitir Boris Johnson levou vários eurocépticos a avisar May que iria enfrentar uma revolta Peter Nicholls/Reuters

Theresa May bem pode dizer, como fez nesta segunda-feira no Parlamento, que vai “provar “que os arautos da desgraça estão errados” quando olham para o futuro do Reino Unido fora da União Europeia ou insistir, como também fez o seu porta-voz, que ela tem “plena confiança” nos seus ministros. Nos últimos dias sucederam-se notícias de conspirações para a derrubar e as divisões no Governo só a custo se calam, lançando ainda mais incerteza sobre a capacidade da primeira-ministra britânica para retirar do actual impasse as negociações com Bruxelas.

Na sua primeira intervenção perante os deputados depois do discurso de Florença, May insistiu que já houve “progressos reais e tangíveis” nas discussões sobre a saída britânica da UE, pelo que as duas partes devem concentrar-se “naquilo que realmente interessa”: o futuro das relações entre os dois blocos. “A bola está do lado deles. Estou optimista que iremos receber uma resposta positiva”, disse, num excerto da intervenção divulgada antecipadamente.

Mas ainda antes de falar no Parlamento, e quando tinha as duas equipas de negociadores já reunidas em Bruxelas para a quinta ronda de discussões, a porta-voz da Comissão Europeia respondeu-lhe que “isto não é propriamente um jogo com bola”. “Ainda não houve uma solução para a primeira fase […] pelo que a bola está totalmente do lado britânico até que isso aconteça”.

Uma conversa de surdos que mostra o quão limitadas são as hipóteses de os líderes europeus aceitarem as pretensões britânicas na cimeira de dia 19. Mas qualquer passo adicional que May venha a dar arrisca-se a ser fatal, com a ala mais eurocéptica dos conservadores a deixar claro que a sua sobrevivência à frente do Governo estará em risco se for demasiado longe nas concessões a Bruxelas.

Um risco que ficou bem visível nesta segunda-feira quando ela confirmou que o Reino Unido terá de aceitar os veredictos do Tribunal de Justiça da UE durante os dois anos do período de transição seguintes ao "Brexit", uma condição essencial para os restantes 27 Estados-membros, mas que os eurocépticos vêem como inaceitável. “Se o tribunal continuar a ter jurisdição não teremos saído da UE. Esta é talvez a linha vermelha mais importante para garantirmos que o voto pelo ‘Brexit’ é honrado”, disse à Sky News Jacob Rees-Mogg, deputado da ala mais à direita dos tories e potencial candidato à sucessão de May.

Da mesma forma, bastou May sugerir no domingo que poderia remodelar o Governo e demitir Boris Johnson, depois de este ter posto em causa a sua autoridade, para apoiantes do ministro dos Negócios Estrangeiros terem dito a vários jornais conservadores que tal gesto iria desencadear uma revolta. No lugar de Johnson, afirmaram as mesmas vozes anónimas, May deve demitir o ministro das Finanças, Phillip Hammond, que consideram demasiado disposto a ceder aos europeus.

Guerras que deixam cada vez mais confusos muitos europeus, como é o caso do antigo primeiro-ministro irlandês John Bruton que, numa conferência em Bruxelas, acusou o Governo britânico de se ter tornado um parceiro de negociações pouco fiável, capaz de apresentar apenas propostas vagas, adianta o jornal Guardian. “Se entrarem em detalhes, o desacordo entre os ministros é tão profundo que o Partido Conservador se divide e o Governo cai”, afirmou.

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