Jorge Palma com orquestra, um desequilíbrio em apoteose

A música de Jorge Palma dispensa orquestras, mas a tê-las que exibam arranjos à altura. O que não sucedeu, como deveria, na sua estreia com orquestra e maestro nos coliseus.

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Jorge Palma com Rui Massena a dirigir a Orquestra Clássica do Centro DR
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Jorge Palma por uns segundos no lugar do maestro DR
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Massena e Palma: um divertimento a quatro mãos DR

Experiências de músicos da área pop ou rock com orquestras clássicas são coisa antiga e, na história da música popular, há muitos exemplos, bons ou falhados. Para falar apenas de palcos portugueses e de experiências recentes, vimos e aplaudimos Ricardo Ribeiro ou Adriana Queiroz com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, o nordestino Alceu Valença com a mineira Orquestra Ouro Preto ou Jane Birkin com a Orquestra Gulbenkian. Também Luís Represas arriscou tocar com a Sinfónica Ibérica, em Elvas, mas desse concerto (falha nossa) não nos é possível dar aqui uma visão pessoal ou testemunho.

A experiência de Jorge Palma com orquestra, não sendo a primeira com música própria (já que, como orquestrador, ele reuniu várias em estúdio para outros cantores), foi aquela que teve maior projecção pública, enchendo os coliseus de Lisboa e Porto nas noites de 5 e 7 de Outubro. Seu cúmplice nesta aventura foi o maestro e também compositor Rui Massena, que já acompanhara Palma num concerto no Funchal, no tempo em que dirigia a Orquestra Clássica da Madeira. Agora, disse o próprio Jorge Palma ao PÚBLICO antes do concerto, o trabalho de preparação foi mais intenso e ponderado, envolvendo ambos.

Que dizer, então, do resultado? Em primeiro lugar, uma constatação evidente: a música de Jorge Palma dispensa orquestras, sem desprimor para a Orquestra Clássica do Centro, que aqui tão empenhadamente o acompanhou. Há na sua música uma estrutura, intrínseca às melodias, que ganha com alguma secura e elegância – pormenores que uma orquestra, assim “instruída”, poderá potenciar, elevando, ou rodear de “contrapontos” supérfluos.

O que sucedeu no concerto de Lisboa (o único a que estes comentários se referem) foi um misto das duas coisas. Se o arranque, juntando a orquestra e a banda de Palma (guitarras e baixo eléctricos, bateria e teclas), foi feliz num Frágil nada frágil e num Lado errado da noite do lado certo da música, exemplos posteriores revelaram alguma tendência para um desajustado barroquismo. , com Palma a avançar a voz e piano (a cantar e tocar ele está em muito boa forma, ressalve-se) e explanando-se depois para as mãos da banda e para a orquestra, ainda se susteve em bom equilíbrio, mas O meu amor existe e Passos em volta já não resultaram da mesma forma. Alguns apontamentos de cordas pareceram mesmo estranhos aos ouvidos, sobretudo para quem já ouviu tantas versões, em discos e ao vivo, de tais temas. O desequilíbrio, entre altos e baixos, prosseguiu em Onde estás tu, mamã (canção de Lisboa), À espera do fim, No bairro do amor e Jeremias o fora-da-lei. Já as seguintes Dormia tão sossegada, Eternamente tu e Cara de anjo mau, todas elas sem orquestra, com Palma a trocar o piano (entregue provisoriamente ao seu filho Vicente) pela guitarra eléctrica e com a banda a evidenciar-se, foram momentos altos na noite.

Depois, já não houve “descidas”. A orquestra (e quando se fala em orquestra fala-se nos arranjos, da responsabilidade do maestro, não na Clássica do Centro propriamente dita) esteve à altura em Encosta-te a mim, foi feliz em Deixa-me rir e acompanhou a euforia de Portugal Portugal. O encore, depois de aplausos cadenciados e de pé, veio primeiro com Passeio dos prodígios (Palma em majestoso solo absoluto, só voz e piano), depois com Balada dum estranho. Antes de um final entusiasmado, com A gente vai continuar, ainda houve tempo para um momento quase cartoon (Palma de batuta em punho a dirigir por segundos a orquestra, como quando o coelho Bugs Bunny mima Leopold Stokowski; Palma tem uma consistente formação clássica, no Conservatório, mas ali quis sobretudo brincar) e para um divertimento a quatro mãos, com Palma e Massena sentados ao mesmo piano em variações a partir de Frère Jacques, trocando de lugares sem pararem de tocar.

Pela reacção do público, a noite foi apoteótica. Mas Jorge Palma brilha mais e melhor no seu próprio ambiente. A orquestra não lhe foi favorável, pelo menos desta maneira.

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