O desafio de Costa

Chegou o momento de o primeiro-ministro mostrar uma nova faceta da sua habilidade como político.

O resultado das autárquicas não traz um novo ciclo de governação, nem estratégica nem programaticamente. O que muda é o contexto político, o qual se anuncia como um novo desafio para António Costa, tão ou mais complexo e difícil do que os que tem tido desde que assumiu a liderança do PS. Agora já não tem Passos Coelho e a sua herança governativa como saco de boxe político e tem dois parceiros de aliança parlamentar politicamente fragilizados. O PCP pela derrota eleitoral que sofreu. O BE por não ter tido uma vitória eleitoral de que se possa vangloriar.

É um facto que o PS conseguiu uma vitória importante, a primeira de Costa como líder (e a primeira de Ana Catarina Mendonça Mendes, que se afirma como dirigente responsável pelo partido). O PSD foi varrido. Depois da saída de Passos — que assumiu a derrota e o abandono do poder partidário com dignidade e coerência —, a direita está obrigada a uma redefinição onde a dinâmica do CDS pode ser determinante. Tanto mais que a renovação profunda do PSD será forçosamente lenta e poderá mantê-lo afastado do poder longos anos. Por agora, além da lista de candidatos que se perfila, ainda não se vislumbra a apresentação de um projecto político consistente. Há tempo para isso, é verdade. É-o também que o novo líder terá de fazer o caminho das pedras sem saber quando chegará ao poder e se será primeiro-ministro em 2019.

Se o combate a Passos e ao PSD era assumido por Costa, a mudança no equilíbrio da aliança de poder pode ser-lhe relativamente prejudicial. Mas é um erro de avaliação, creio, pensar que Costa não apostou na vitória sobre o PCP e o BE. Desde que foi eleito líder dos socialistas, Costa está empenhado em demonstrar que o PS é um partido de esquerda. Foi esse o sentido da nova política de alianças que defendeu em todos os documentos nas várias fases de candidatura ao partido e ao Governo, assim como foi esse o objectivo com a estratégia de alianças que proclamou ir adoptar desde o primeiro momento.

Costa tinha um objectivo claro que concretizou de mansinho e sem nunca hostilizar os comunistas. Foi governando dia-a-dia de forma a tirar bandeiras ao PCP e ao BE. Já na campanha escolheu os bastiões comunistas onde queria aparecer como o líder de uma governação de esquerda. E no domingo concretizou aquilo que era uma aspiração do PS profundo: fazer em Portugal o que François Mitterrand fez em França aos comunistas nos anos oitenta do século passado. Deu-lhes o chamado “abraço de urso”, ou seja, a aproximação ao poder do PCP provocou-lhe um imenso efeito de erosão eleitoral, que no passado tinha já acontecido em Lisboa, após a coligação com Jorge Sampaio em 1989.

O PCP está agora numa encruzilhada que é mesmo um colete-de-forças. Está dividido entre manter a influência na governação ou voltar à condição de partido de protesto. Esta questão não se coloca tanto em relação ao Orçamento para 2018. Seria escandaloso se os comunistas se pusessem agora ao largo nas negociações das contas do Estado. O seu compromisso com o que prometeram ao país e aos trabalhadores, segundo o seu léxico, seria defraudado. E sabem que, se o Governo caísse agora, o PCP poderia ser mais penalizado em legislativas antecipadas, correndo o risco de oferecer de bandeja a maioria absoluta a Costa que iria poder vitimizar-se em campanha eleitoral.

O dilema do PCP passa também pelo OE 2019. Poderá o PCP descolar no próximo Verão para criar um distanciamento e fazer uma contestação real ao Governo? Haverá espaço político para antecipar então as legislativas em cerca de nove ou dez meses? Não será essa atitude também um risco de dar a Costa uma passadeira vermelha para ficar senhor soberano na governação respaldado numa maioria absoluta?

É por tudo isto que se inicia um novo desafio de Costa. O ciclo económico irá facilitar a vida ao primeiro-ministro, mas chegou o momento de ele mostrar uma nova faceta da sua habilidade como político. Uma arte que o pode fazer permanecer à frente do Governo mais seis anos e tornar consistente a sua aspiração a depois procurar sentar-se na cadeira do Presidente da República.

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