A mulher que se apaixonou pelo solo

Começou pelo marketing, encantou-se com a cozinha, fez revistas, livros, hoje faz (também) azeite e cada vez acredita mais na importância da terra. "O solo faz parte de nós", diz Cláudia Villax.

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Cláudia S. Villax n'A Sociedade Daniel Rocha
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Cláudia S. Villax Daniel Rocha

Quem, há alguns anos, espreitasse por uma janela da casa de Cláudia S. Villax poderia vê-la a trabalhar noite dentro para criar uma revista que, acreditava, seria diferente de tudo o que então se fazia em Portugal. E, quem, anos depois, a descobrisse na sua quinta na serra de São Mamede poderia encontrá-la a plantar batatas com o mesmo entusiasmo com que anteriormente planeava uma revista.

“Sou uma apaixonada pela comida em todas as vertentes, do cultivo à confecção, passando pelo marketing e hoje também pela partilha de informação”, resume, sentada na longa mesa de madeira d’A Sociedade, o espaço que abriu no Príncipe Real, em Lisboa, e que funciona como o seu local de trabalho mas também de encontro para quem queira discutir os temas que ela anda a explorar.

Nos últimos tempos, um dos temas que mais a entusiasma é o solo. E conversamos com Cláudia precisamente na véspera de um desses encontros — este baptizado como “Oh Deer! Solum” — para discutir, com alguns convidados, o que andamos a fazer com a terra.

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Talheres antigos, louça moderna, o encontro entre o passado e o presente Daniel Rocha

Esta ligação com a terra não fez sempre parte da vida de Cláudia. Ou melhor, sofreu uma interrupção. “Quando era pequena, o sítio onde me sentia melhor era a casa da minha avó, no Douro”, conta. “Andava por ali, tirava os sapatos, subia às árvores, lia livros dos Cinco em cima das árvores enquanto comia maçãs.” Mas quase se tinha esquecido disso tudo quando começou a sua vida profissional ligada ao marketing da indústria farmacêutica.

“Cedo vi que aquilo não tinha nada a ver comigo”, continua. Vieram então os jornais e as revistas e o tal projecto pensado e planeado até altas horas da madrugada: as revistas Blue. Foi quando nasceu a ideia da Blue Cooking que Cláudia se viu totalmente dedicada ao mundo da comida.

Depois vieram os filhos e, com eles, outros projectos, até que criou a sua empresa de branding culinário, a Food, People and Design. E a terra, a tal da infância em casa da avó, voltou a aparecer na sua vida. “Comprámos a nossa quinta, ao pé de Marvão. Os meus filhos eram pequenos, eu queria mostrar-lhes como é importante o contacto com a terra, com a natureza. Desde logo decidimos fazer agricultura biológica.” E mergulhou de cabeça nesse mundo.

Até porque, quanto mais se envolvia no tema da comida, mais percebia que “há muitas coisas erradas a acontecer”. Isso levou-a a querer, na medida do possível, produzir os seus próprios alimentos. A quinta tinha um olival com oliveiras milenares e delas nasceu o projecto Azeitona Verde, azeite biológico virgem extra. “Hoje a Azeitona Verde é o meu mundo encantado”, diz.

Mas Cláudia sonhava também com uma horta. “Ninguém me ajudava, por isso decidi fazer sozinha, uma horta biológica, com quatro parcelas para rodar as culturas, cheia de florzinhas.” De início, os vizinhos não a levaram muito a sério. “De repente está ali uma rapariga da cidade, que quer fazer agricultura biológica e até varre a horta”, recorda, rindo. Mas em Novembro a terra continuava a dar produtos e ela foi ganhando o respeito dos vizinhos, de tal forma que criaram uma espécie de horta comunitária e surgiu o livro Da Horta Para a Mesa.

Neste percurso, uma coisa ia-se tornando cada vez mais clara para Cláudia: era preciso partilhar o que estava a aprender. “Sentia que essa informação não chegava às pessoas e pensei ‘vou fazer a minha parte, trazer quem sabe e quer partilhar e dar essa informação de graça’. A Sociedade surgiu por uma grande vontade de provocar mudanças nos hábitos, porque acredito que o consumidor bem informado tem um poder incrível nas mãos.”

Se, defende, toda a gente exigisse “mais transparência, mais verdade na forma como a comida é produzida”, conseguir-se-ia “obrigar a indústria a mudar para uma comida com mais ética e qualidade”. Para além dos debates que já aconteceram sobre o solo ou sobre o mar, a Sociedade recebe diversos workshops que tanto podem ser de queijos vegan, de sabão natural, de arranjos de flores ou de gastronomia romena (para dar como exemplo a programação de Setembro/Outubro).

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Com o projecto Azeitona Verde, Cláudia é produtora de azeite biológico Daniel Rocha

Mas o que mais a apaixona neste momento é mesmo o cuidar do solo. “A agricultura biológica acredita que de um solo saudável nascem plantas saudáveis, enquanto a tradicional foca-se em tratar a planta e não em alimentar o solo.” Entusiasma-se a falar das suas experiências. “Há realmente outro planeta debaixo de nós. Quando se usa o tractor para remexer a terra está-se a matar toda a vida que existe debaixo do solo, a tirar-lhe a humidade e a provocar desequilíbrios. Quando fizeram análises à terra da nossa horta, o equilíbrio estava perfeito, não faltava nada, nem um mineral, a comida que sai dali faz-te realmente bem. Por que é que as pessoas tomam tantos suplementos vitamínicos e sais minerais? Porque a maior parte da comida não os tem.”

Não é, contudo, defensora de dietas restritivas ou de fundamentalismos. “Tem que se ter um equilíbrio para não parecermos umas loucas e para não enlouquecermos a nossa família. Somos omnívoros, temos que comer de tudo um pouco. Se impusermos restrições na nossa dieta, não sei que consequências isso terá para os filhos dos nossos filhos, se um dia quiserem comer uma coisa que nós excluímos podem ter, de facto, já ter desenvolvido uma alergia.”

Quando lhe pedimos para escolher três coisas que lhe digam muito para as três fotos mais pequenas que acompanham este texto, escolhe um prato moderno com talheres antigos, que representa o gosto pelo design e pelo cruzamento do que é tradicional com o que é actual; escolhe também o azeite, o dela, claro; e, por último, a terra. “Tudo está relacionado com o solo”, conclui, “desde o ar que respiras à comida que comes, à água que bebes”. “O solo faz parte de nós e as pessoas têm que perceber isso.”

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