Jean-Claude Trichet diz que Portugal tem de avançar nas reformas estruturais

Ex-presidente do Banco central Europeu diz que não podem ser sempre os bancos centrais "a salvar o dia" e que é crucial que todos os parceiros se mobilizem, nomeadamente governos, parlamentos e sector privado.

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Jean Claude Trichet (à direita) foi substituído por Mario Draghi (à esquerda) à frente do BCE © Kai Pfaffenbach / Reuters

O antigo presidente do Banco Central Europeu Jean-Claude Trichet defendeu que, se Portugal, Grécia e Irlanda tivessem respeitado as regras estabelecidas, em 2010, não teria havido crise, e salienta que Portugal tem de avançar nas reformas estruturais.

"Não é hora de complacência, ainda há muito trabalho a ser feito, o desemprego ainda é alto, a dívida ainda existe e o crescimento é uma obrigação. O crescimento constante e sustentável é uma obrigação e exige reformas estruturais", alertou Jean-Claude Trichet, numa entrevista conjunta à TSF e Dinheiro Vivo, divulgada este sábado.

Para o homem que estava ao leme do Banco Central europeu quando rebentou com estrondo a crise financeira ionternacional, a palavra chave continua a ser crescimento. "Se houver mais crescimento, há mais criação de emprego, mais capacidade de encaixar dívida pendente, o que ainda é um grande problema para muitos países, incluindo Portugal" que, no entanto, "tem recursos humanos fantásticos, uma capacidade fantástica".

Aliás, realçou que Portugal "provou, recentemente, uma capacidade extraordinária no caminho da recuperação. Porque a recuperação é muito impressionante", embora insista que "ainda há muito a fazer, tendo em conta a capacidade e o potencial de Portugal".

Na opinião de Jean-Claude Trichet, a gestão da dívida de Portugal pelo Ministério das Finanças "parece sensata com a substituição apropriada para o endividamento de longo prazo do endividamento de médio prazo", embora nesse nível de endividamento "o que conta é estar a diminuir ano após ano a dívida em proporção do PIB [Produto Interno Bruto], afim de convencer os investidores".

Quanto à crise que levou ao pedido de resgate e período de austeridade, defendeu: "Tivessem Portugal, Grécia e Irlanda respeitado a estabilidade do crescimento e respeitado as regras que estabelecemos na zona euro e não teríamos tido uma crise".

No início de 2010, "os mais vulneráveis eram a Grécia, a Irlanda e Portugal", lembrou o responsável que liderava o Banco Central Europeu (BCE) quando ocorreu a crise financeira internacional de 2008 que acabou por levar Portugal, Grécia e Irlanda a pedir ajuda externa.

À pergunta por quanto tempo mais poderá o BCE continuar a suportar juros historicamente tão baixos, o antigo presidente da instituição disse que "todos os bancos centrais das economias desenvolvidas estão a fazer um trabalho muito difícil para normalizar a situação. Mas, também é crucial que todos os outros parceiros se mobilizem", nomeadamente governos, parlamentos e o sector privado.

"Sozinhos, os bancos centrais não podem salvar o dia sem os outros parceiros", concluiu Jean-Claude Trichet.

Preocupações com Espanha

A situação política em Espanha e o pedido de independência da Catalunha está também a preocupar o homem que iniciou a sua carreira de serviço público na Inspecção Geral de Finanças de França em 1971. "Estou muito triste porque isto é precisamente o que os europeus não precisam", afirmou, para logo acrescentar que espera que seja encontrada "a solução apropriada" para "uma situação política muito complexa". 

Para Jean Claude Trichet a situação "num período tão exigente como este, em que temos uma janela de oportunidade para irmos na direcção certa com mais reformas na Europa, esta ideia de que um país como Espanha pode ser dividido – porque não é um simples pedido de autonomia, é de independência (...) – não ajuda", argumenta Trichet. 

Questionado sobre a possibilidade de haver impactos nos bancos, e um consequente risco sistémico, Trichet prefere dizer que a essa situação seria "tão absurda que nem quer acreditar que tal seja possível. Mas admite que pode existir perda de confiança, e que isso vai abalar ambas as economias, a da Catalunha e a de Espanha. "Talvez esteja a ser demasiado optimista, mas acho que vai ser encontrada uma solução política", concluiu.

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