Docentes versus investigadores

Serão os investigadores os novos jesuítas a abater?

O senhor reitor da Universidade de Lisboa (UL) declara em entrevista ao jornal PÚBLICO (20.09.2017) que só tenciona abrir concursos para a admissão de docentes e não de investigadores. E que “ninguém o pode obrigar a contratar” quem não quer (Aula Magna, Set. 2017).

Os investigadores da carreira de investigação do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC) deixaram de estar institucionalizados aquando da extinção do INIC em 1992, por decisão do governo de Cavaco Silva. Hoje, a actual Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) serve apenas de correia de transmissão dos fundos comunitários para a Ciência.

Contrariamente à realidade ainda hoje existente nas melhores universidades europeias, como em França e no Reino Unido, os Centros de Investigação das nossas universidades ficam na precariedade e em vias de extinção.

Como acontece em todas as universidades do mundo, as duas carreiras, docente e de investigação, sempre foram e são competitivas, o que é saudável nas unidades de saber e de cultura científica, criativa e inovadora, que constituem uma universidade, por definição.

Eu sei que o Prof. António Cruz Serra é um homem pragmático, sempre preocupado com a boa gestão financeira da universidade, agora UL, com uma dimensão colossal após a sua união com a Universidade Técnica de Lisboa. Mas também sei que a Ciência é a cultura da dúvida onde as verdades absolutas não existem.

A prevalência de uma carreira docente (admissão de novos docentes) em detrimento da carreira de investigação (não abertura de concursos para novos investigadores) na UL constitui uma afirmação que me deixa perplexa. Isto quer dizer que os Centros de Investigação hoje existentes na UL serão extintos a prazo? Ou então, os novos docentes a contratar e os que não darão aulas de formação básica para as licenciaturas, passarão a chamar-se como?

Serão os investigadores os novos jesuítas a abater? Porque a não ser assim, a UL continuaria a beneficiar gratuitamente do trabalho dos bolseiros pós-doutoramento, sem qualquer vínculo contratual como até hoje, num verdadeiro trabalho escravo existente há décadas.

É humanamente impossível para um docente com horário semanal de 12h ou 9h, tendo de preparar aulas, tirar dúvidas, corrigir testes e preparar laboratórios, que tenha disponibilidade mental e física para realizar trabalhos de investigação e apresentar projectos para o seu financiamento. Porque isso implica 10h de trabalho diário e são raros os docentes que lá chegam sem o apoio dos investigadores, bolseiros ou não.

Se assim não fosse, onde estaria o tão gabado ranking da UL, sem os trabalhos de investigação que geraram as centenas de milhares de publicações científicas? Este trabalho, não podendo ser realizado pelos docentes nem pelos inexperientes alunos de doutoramento, será realizado por quem? Pelos mesmos bolseiros de pós-doutoramento, actuais investigadores em função pública, sem contrato há dezenas de anos?

O objectivo de uma universidade não se reduz a fornecer graus académicos, de licenciatura, de mestrado, de doutoramento e de agregação, mesmo quando o seu nível orçamental a isso conduz. O argumento que este financiamento está fora do orçamento da UL e que não tem cabimento no OE, sendo que outras instituições (hoje inexistentes) deveriam arcar com tal despesa da Ciência, não colhe.

No actual contexto, esta ideia, além de injusta, vai contra a definição de uma universidade. Este lema clássico do catedrático “quero, posso e mando” não se coaduna, não constitui e não define o espírito universitário.

Mais uma vez um conselho, de uma investigadora de carreira e com a mesma amizade de sempre: António Cruz Serra, não vá por aí porque irá comprometer o futuro do nosso desenvolvimento científico.

 

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