O clube dos cínicos

Os comentadores e analistas políticos são uma categoria profissional que tem como missão esvaziar e despolitizar a esfera política.

Se o mundo fosse justo e as regras da reversibilidade não estivessem muitas vezes bloqueadas, teria já chegado o tempo de avaliar os avaliadores, de analisar os analisadores, de comentar os comentadores. Estes dois últimos, que na verdade são só uma classe (neste campo, não há diferenças metodológicas entre analisar e comentar), expõem-se de maneira tão conspícua mal são revelados os primeiros resultados das eleições, como pudemos ver no passado domingo, que bem merecem ser “objectivados” e classificados nas listas dos que perdem e dos que ganham. De um modo geral (e é de uma tipologia que falo, não de ninguém em particular), são eles os grandes derrotados da noite e a alguns é concedido o dia seguinte para a consumação da derrota. Não é que digam ou escrevam coisas erradas, até porque não se trata de um tipo de discurso que se inscreva na ordem da verdade e da mentira. E, tendo em conta a situação, também não saem desqualificados quando são só inócuos e, cheios de bom senso, permanecem rente aos factos e aos dados. Mas eles não estão lá para serem relatores ou arquivistas. Só cumprem a missão de que estão encarregados quando respondem à injunção: analisa, comenta, interpreta, dá a tua opinião. Então, o resultado é aquele que todos nós já verificámos, sem precisarmos de mais instrumentos do que os de uma análise empírica. O que se revela com evidência na análise dos analistas é que eles concebem a política como um jogo de tácticas, manhas, habilidades e às vezes alguma estratégia (não raro confundida com a táctica). Um político perde ou ganha conforme o grau de eficácia da sua táctica. Há uma coisa, porém, que escapa a esta lógica e faz com que o jogo perca a racionalidade e triunfe a força mágica, mimético-afectiva: são os “populismos”, apontam categóricos os analistas do púlpito onde exercem o mais descarado tecno-populismo. Não há uma única ideia política — na melhor das hipótese há apenas lógica gestionária — que perpasse no discurso dos analistas É como se o cinismo fizesse parte das leis naturais e das deformações profissionais dos analistas e comentadores.

E como desempenham com gáudio o papel do “sujeito suposto saber”, encontraram um método infalível para parecer inteligentes e desvelar o que o vulgo não consegue ver. Este método, usado na análise dos resultados das últimas eleições, é aquele que vislumbra derrotas nas vitórias e vitórias nas derrotas. O que é preciso é que as coisas não pareçam aquilo que são e toda a análise seja projectada no futuro. Procura-se adivinhar o “cenário” que se segue e produzir  uma ficção. A análise imanente é desconhecida dos comentadores. Lacan, o famoso psicanalista  francês, avisou um dia que um dos maiores perigos da psicanálise consiste em assumir que ela permite ao indivíduo alcançar um posição acima de todos aqueles que se deixam enganar facilmente, os incautos, ou, para utilizarmos a palavra francesa usada por Lacan os “dupes”. Ele faz então um trocadilho com a frase “les non-dupes errent”, jogando com uma homofonia, já que nesta frase ouvimos também “les noms du père”. Ou seja, os espertos, os “non-dupes” erram precisamente ao querer sê-lo. Assim são os comentadores e analistas políticos: espertos como só eles. Submetida aos seus instrumentos de análise, a política fica reduzida a uma espécie de torso, a um corpo informe sem pés nem cabeça: Eles desconhecem absolutamente que o medium da política não são as táticas, é a linguagem. E se na verdade os políticos também tendem a esquecê-lo e assim esvaziam a política de sentido é porque foi firmada uma terrível aliança político-mediática.  

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