Morreu a actriz e produtora Ruth Escobar, que se despediu dos palcos com Os Lusíadas

Nascida no Porto, mudou-se na década de 50 para o Brasil, onde se destacou pela acção na divulgação das novas dramaturgias e pelo combate à ditadura.

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A actriz e produtora Ruth Escobar, natural do Porto mas conhecida pela sua carreira no Brasil, morreu na quinta-feira, aos 82 anos, em São Paulo, anunciou a Associação de Produtores de Espectáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp).

Ruth Escobar despediu-se dos palcos em 2001, com Os Lusíadas, de Luís de Camões, produção que viajou até Portugal para se apresentar no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e no FITEI  – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto.

De acordo com a associação, a actriz, que se destacou pela sua acção de divulgação de novas dramaturgias, durante mais de 50 anos, e pelo combate à ditadura brasileira, sofria de Alzheimer desde 2000.

Em comunicado publicado no Facebook, o teatro a que deu nome lembra a actriz como alguém que "ergueu para a cidade um complexo teatral arrojado, que continua em plena actividade" e que "enfrentou a ditadura militar de dedo em riste, desafiou poderes e invadiu delegacias para libertar companheiros de palco".

Ruth Escobar nasceu no Porto, em 1935, e viveu em Portugal até aos 15 anos, altura em que rumou ao Brasil (1950). Estudou interpretação naquele país e também, mais tarde, em Paris, já casada com o dramaturgo e filósofo brasileiro Carlos Henrique Escobar.

No regresso a São Paulo, no início da década de 1960, fundou a sua própria companhia, Novo Teatro, com o director italiano Alberto D'Aversa, tendo interpretado clássicos contemporâneos, como Antígone América, de Carlos Escobar, Mãe Coragem e Seus Filhos, de Bertolt Brecht, ou Males de Juventude, de Ferdinand Bruckner.

Promoveu igualmente o Teatro Popular Nacional, para levar produções às zonas mais pobres e afastadas do Brasil.

Em 1964, Ruth Escobar inaugurou a sua própria casa de espectáculos, o Teatro Ruth Escobar, no bairro da Bela Vista, zona central de São Paulo, imprimindo um ponto de viragem na carreira.

Aqui montou A Ópera dos Três Vinténs, de Brecht e Kurt Weill, que inaugurou a sala, O Casamento do Sr. Mississipi, de Friedrich Dürrenmatt, As Fúrias, de Rafael Alberti, O Balcão, de Jean Genet, e também clássicos como Romeu e Julieta, de William Shakespeare, e Lisístrata, de Aristófanes.

Em 1974, criou o primeiro Festival Internacional de Teatro de São Paulo, levando ao Brasil autores e intérpretes como Bob Wilson, Nuria Espert, Jerzy Grotowsky e Andrei Serban, entre outros.

Após o 25 de Abril de 1974, regressou a Portugal para apresentar Autos Sacramentales, sobre Calderón de la Barca, encenação que se destacou na Bienal de Veneza.

Nos anos 1980, acompanhando a queda da ditadura brasileira e a realização de eleições, Ruth Escobar afastou-se do teatro e foi eleita deputada estadual, durante duas legislaturas. Em 1987, regressou aos palcos com Maria Ruth-Uma Autobiografia e, mais tarde, com o clássico moderno Relações Perigosas, de Heiner Müller.

Nos anos de 1990 regressou à produção com o Festival Internacional de Artes Cénicas. Em 1998 foi distinguida com a Legião de Honra da República Francesa.

A imprensa brasileira destaca esta sexta-feira o percurso de vida de Escobar, o seu eclectismo, marcado tanto pelo sucesso a nível artístico como pela participação cívica.

A sua despedida dos palcos ocorreu em 2001, já depois do diagnóstico da doença de Alzheimer, quando abordou pela terceira vez Os Lusíadas, de Luís Camões, depois de A Viagem, em 1972, e de uma encenação de Iacov Hillel, que a actriz recusou, já em 2001.

A versão dramática de Os Lusíadas, com texto de Walderez Cardoso Gomes e direcção de Márcio Aurélio, tornar-se-ia no derradeiro legado de Ruth Escobar.

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