Estátua do padre António Vieira guardada por "neonazis"

Protesto contra a estátua do Padre António Vieira foi impedido por grupo de extrema-direita, diz activista.

Foto
Enric Vives-Rubio (Arquivo)

Uma manifestação marcada em Lisboa para a tarde desta quinta-feira com o objectivo de protestar contra uma estátua do padre António Vieira, colocada recentemente no Largo Trindade Coelho, não conseguiu realizar a acção a que se tinha proposto: pôr flores ao pé da estátua e fazer uma performance poética. A causa para o impedimento foi a presença de um grupo da extrema-direita, que rejeita, por sua vez, as acusações.

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Uma manifestação marcada em Lisboa para a tarde desta quinta-feira com o objectivo de protestar contra uma estátua do padre António Vieira, colocada recentemente no Largo Trindade Coelho, não conseguiu realizar a acção a que se tinha proposto: pôr flores ao pé da estátua e fazer uma performance poética. A causa para o impedimento foi a presença de um grupo da extrema-direita, que rejeita, por sua vez, as acusações.

“Na tal democracia, estamos neste momento cercados por neonazis”, escreveu na tarde de quinta-feira, no Facebook, Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, que se associou à manifestação convocada pelo grupo “Descolonizando”. Este grupo integra “investigadores, professores, artistas e activistas de diversas nacionalidades” com o objectivo de “reflectir, discutir e agir promovendo a construção de uma narrativa crítica, para a eliminação do racismo e da desigualdade”, segundo a página no Facebook.

O cartaz do protesto, intitulado “Descolonizando Padre António Vieira”, resume o que estava em causa para esta organização e o que motivou o protesto: “Não aceitamos essa estátua. Com a colaboração da Igreja, mais de seis milhões de africanos foram escravizados pelos portugueses no tráfico transatlântico. Padre António Vieira era um esclavagista selectivo. A colonização portuguesa no final do século XVI já tinha dizimado 90% da população indígena. A evangelização jesuíta foi a maior responsável pelo etnocídio ameríndio.” No cartaz, havia ainda um pedido a quem se juntasse ao protesto para levar flores, cartazes e velas que iriam integrar uma homenagem ao povo ameríndio na praça.

A manifestação, marcada para as 15 horas, tinha sido comunicada à Câmara Municipal de Lisboa, segundo Mamadou Ba. Mas quando os integrantes do protesto chegaram ao local foram surpreendidos, adiantou Mamadou Ba. “A estátua estava já cercada com elementos dos hammerskins [um dos grupos mais violentos da extrema-direita]”, disse o activista ao PÚBLICO, ao fim da tarde, por telefone.

O PÚBLICO não esteve no local, mas numa fotografia colocada num comentário a um post de Mamadou Ba, no Facebook, identificam-se cerca de uma dezena de pessoas à frente da estátua com várias bandeiras de Portugal. Pelo menos um dos homens tinha uma t-shirt com o símbolo dos hammerskins. No chão, tinha sido colocada uma fita com a mensagem “Portugueses primeiro!” e o símbolo da cruz de malta entre as duas palavras.

Os organizadores da manifestação falaram com agentes da PSP que estavam no local, explicando que queriam ter acesso à estátua. “Pediram-nos para esperar”, conta Mamadou Ba. Durante duas horas, esperaram que o grupo de extrema-direita saísse de lá. Segundo Mamadou Ba, o número de pessoas que integrava o bloqueio da extrema-direita foi aumentando ao longo da tarde. Mas a polícia acabou por não fazer nada e o grupo de extrema-direita não saiu da praça. Por volta das 17h, a manifestação convocada pela Descolonizando desmobilizou-se, sem conseguir realizar a acção.   

A PSP não confirma esta situação. “Ninguém impediu qualquer acção”, disse ao PÚBLICO o comissário Pimentel, que não foi capaz de informar se o grupo de extrema-direita tinha comunicado a contra-manifestação, remetendo a questão para na sexta-feira e para o departamento de relações públicas.

“Mantivemos uma certa distância para evitar qualquer possibilidade de confronto ou choque”, descreveu por sua vez Mamadou Ba. “Não estávamos ali para agredir ninguém, mas para expor o debate sobre a estátua”, explicou, adiantando que “o tom de ameaça [do grupo de extrema-direita] estava sempre a subir”. Para o activista, o facto de a PSP não ter agido “mostra que eles estão impunes”.

Rui Amiguinho, presidente da Associação de Iniciativa Cívica Portugueses Primeiro, organização responsável pela contra-manifestação, refuta ao PÚBLICO estas acusações, considerando que as acusações de neonazismo são “ofensivas”. “Mamadou Ba fala de nós, sem nos conhecer, de maneira inqualificável”, diz.

Sobre a acusação de que o grupo não deixou que os activistas chegassem à estátua de Padro António Vieira, Amiguinho considera-a “cómica”, relatando que a polícia lhes comunicou que iria chegar a manifestação que protestava contra a estátua. “Dissemos que não iríamos impedir ninguém de passar”, afirma o líder do grupo Portugueses Primeiro, admitindo que a organização de Ba "até tinha mais direito de ali estar", pois a contra-manifestação não foi comunicada às autoridades.

“Como é óbvio, se não os deixássemos passar, a polícia intervinha”, afirmando ainda que “esses senhores têm o Bloco de Esquerda por trás”, o que lhes confere “muito poder”.

Ressalvando que não concorda com a manifestação contra a colocação da estátua, Amiguinho garante que o grupo que lidera não se deslocou ao local para "defender o Padre António Vieira". “Hoje em dia ainda há escravatura. Seria mais interessante a Mamadou Ba e afins irem a esses locais onde ainda é praticada a escravatura fazer o seu activismo”, refere ainda Amiguinho.

Artigo actualizado às 19h36 de sexta-feira com as declarações de Rui Amiguinho, presidente da Associação de Iniciativa Cívica Portugueses Primeiro.

Correcção da notícia a 10 de Outubro: Mamadou Ba é dirigente da associação SOS Racismo mas não faz parte do grupo "Descolonizando" ao contrário do que foi referido.