Pensamentos soltos sobre ódios e rancores

O ódio será um dos piores sentimentos que se possa conter dentro da nossa alma. É altamente perigoso, sobretudo porque, até certo ponto, pode fazer-nos sentir saciados e aliviados

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Yaoqi LAI/Unsplash

Já uma vez escrevi sobre as palavras. Escrevi sobre aquelas palavras que nos beijam, por gostarmos delas, e sobre as que nos causam uma certa inquietação, por não as apreciarmos. Falei de palavras de que gostava, apenas pelo som, e de palavras de que não gostava… pela mesma razão. E ainda falei naquelas palavras que gostava e das que não apreciava pela realidade que retratavam. A palavra “ódio” é um desses vocábulos. Não gosto dela nem um bocadinho. Não pelo seu som…que não me inspira nada de bom mas também nada de mau, mas pela realidade que ela transmite. O ódio transmite-me uma realidade demasiado negra para ser minimamente apreciada. Assumo que nunca senti nem gostaria de sentir tal “afeição” por ninguém (apesar de todos os apesares, é um sentimento que nunca nutri por qualquer ser. Mas, assumo que, por vezes, em determinados momentos, sinto correr um frio pela coluna vertebral abaixo e penso que estou a ser contemplada, através de um olhar frio, com esse sentimento feio e negro).

Associo o ódio a uma profunda antipatia por algo ou alguém, um rancor profundo, uma raiva que ocupa um espaço enorme dentro da pessoa que a sente. Um sentimento claramente negativo que se alimenta de dores, ressentimentos, inseguranças e de todos os sentimentos menos bons que habitam dentro de uma pessoa. Alimenta-se ainda, e essa é a maior fatia, da falta de amor. Facilmente o ódio se instala onde falta o amor: seja o amor por alguém, seja pelas pessoas ou pela vida. E instala-se, sobretudo, naquelas almas onde falta o amor-próprio. O local onde falta o sentimento mais importante que um ser humano possa ter, o amor-próprio, é um terreno fértil para que o ódio possa nascer e crescer de forma próspera. O alvo desse ódio será aquele que nos parecer mais culpado pelo nosso mau estar, aqueles que consideramos serem os culpados pela nossa própria dor, tenhamos ou não razões para isso. E, ao alimentar-se de um modo tão voraz de tudo o que de menos bom habita num corpo, vai aniquilando, destruindo a pessoa por dentro ao mesmo tempo que destrói tudo aquilo em que a pessoa que sente tal ódio toca, ou tudo o que está por perto.

O ódio será, quanto a mim, um dos piores sentimentos que se possa conter dentro da nossa alma. É altamente perigoso. Perigoso, sobretudo, porque até certo ponto, pode fazer-nos sentir saciados e aliviados. Alimenta a alma quando esta se sente, por algum motivo, desassossegada por algo que correu menos bem na sua vida. Alimenta a alma quando esta se sente vazia. Contudo, ao mesmo tempo que a faz sentir, temporariamente, saciada, vai destruindo tudo o que de bom possa ainda existir naquele corpo e alma. O alimento que este ódio oferece mais não é do que umas ervas venenosas para a alma, e para a própria pessoa, que a vão corroendo e destruindo. A sensação de saciedade é meramente ilusória. E a necessidade de se alimentar é cada vez maior, aumentando o negrume dos sentimentos que habitam coração e alma. Até ao momento em que, se nada for feito em contrário, nada restará de bom nem de luminoso naquela pessoa.

Alimentar algo que nos faz tão mal, e que provavelmente iremos perceber a seu tempo que não nos traz nada de bom, só prova, como disse, a existência de uma enorme falta de amor-próprio e alguma falta de inteligência emocional. O inteligente a nível emocional sofre, sim, com as situações menos agradáveis que a vida lhe traz. Sofre, chora, mas segue em frente. Aprende a ignorar a pessoa e/ou a situação que lhe provocou dor e sofrimento. Supera. Caminha noutra direcção. Deixa de dar importância à situação e/ou à pessoa. E essa é a maior prova de que estamos perante uma pessoa que se ama a si acima de tudo e que tem inteligência para se afastar do caminho que é o da raiva – ódio – sofrimento.

Depois de todo este discurso, mal seria dizer que já odiei! E a verdade é que não poderia dizê-lo, uma vez que nunca odiei. Não sou uma pessoa de alimentar raivas e muito menos ódios. Não sou perfeita! Longe disso. Tenho explosões de mau humor que fazem lembrar o Big Bang. Lanço as minhas irritações maiores e menores, algum mal-estar, para todo o lado, atingindo, naquele momento, os que estão mais próximos. Assumo. Mas também ouço várias vezes que tenho uma boa aura ou uma boa energia. E, talvez seja por isso, a verdade é que nunca odiei. E sim, já passei por situações em que o caminho mais simples seria esse do ódio. Mas esse sentimento feio não faz parte de mim (valha-nos ao menos isso!). Sofri, chorei e segui em frente. Não quero com isto dizer que continue a gostar e a considerar as pessoas que me fizeram sofrer. Nada disso. Afastei-as da minha vida, passando a ignorá-las. Não sei se as perdoei. Sei que, para mim, deixaram de existir. E não se odeia quem não existe. Não permiti e espero nunca vir a permitir que o ódio por ninguém se instale na minha alma. Até porque, como disse Martin Luther King, "Tenho visto demasiado ódio para querer odiar".

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