Tite devolveu a esperança e o orgulho à “canarinha”

No comando da selecção brasileira há pouco mais 15 meses, o técnico, de 57 anos, que foi desejado pelo FC Porto no ano passado, recolocou o Brasil na rota do sucesso

Foto
Reuters/PILAR OLIVARES

A 14 de Junho de 2016, o futebol brasileiro estava à beira do colapso. Após sofrer uma das maiores humilhações da sua história – derrota por 1-7 contra a Alemanha no Mundial 2014 -, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) entregou a Dunga a responsabilidade de reerguer a “canarinha”. O que seguiu, no entanto, foi a manutenção de um percurso descendente. Com o novo seleccionador, o Brasil teve o pior aproveitamento deste século e coleccionou fracassos: eliminação nos quartos-de-final da Copa América 2015; afastamento na fase de grupos da Copa Centenário 2016; vitórias apenas contra Venezuela, Peru e Haiti. À beira do precipício e com o Brasil no 6.º lugar no apuramento para o Mundial 2018, a CBF cedeu ao óbvio e entregou o comando da “verde e amarela” a Tite. Um ano e três meses depois, o técnico, que já reunia o consenso dos brasileiros em 2014, devolveu a esperança e o orgulho à “canarinha”.

Quando Adenor Leonardo Bach, conhecido no mundo do futebol por Tite, foi anunciado como seleccionador brasileiro, a herança deixada por Dunga era pesada. Com uma selecção insegura e sem brio, o Brasil receava falhar pela primeira vez uma fase final de um Mundial, mas o segundo mais velho treinador a assumir o comando da “canarinha” precisou de três meses para confirmar que era o homem certo no lugar certo. A 1 de Setembro de 2016, num jogo de alto risco, Tite estreou-se na altitude de Quito, contra o Equador que liderava a fase de qualificação, e começou a impor-se: vitória por 3-0. Uma semana depois, na Arena Amazónia, novo triunfo, desta vez contra poderosa Colômbia (2-1). O que se seguiu, terá surpreendido até os mais optimistas brasileiros. Com nove vitórias consecutivas, feito nunca conseguido por nenhuma selecção sul-americana em qualificações para Mundiais, Tite afastou os fantasmas e nove meses depois de assumir o comando da “canarinha”, tornou o Brasil no primeiro país a juntar-se à anfitriã Rússia no Mundial 2018.

Profundo conhecedor do lugar, Carlos Alberto Parreira, que conduziu o Brasil ao tetra no Mundial 94, não hesitou na hora de enaltecer o trabalho do colega de trabalho: “O que o Tite conseguiu, foi um sucesso estrondoso. Sair de uma posição difícil para primeiro do grupo, se classificando com quatro jornadas de antecedência... É uma coisa fabulosa. Depois do Mundial 2014, quando fomos ao fundo do poço, depois daquela derrota vergonhosa para a Alemanha, recuperar este terreno em quatro anos, é coisa só do futebol brasileiro. O mundo todo já considera o Brasil uma das candidatas ao título em 2018.”

Mas quem é o técnico que devolveu a auto-estima ao Brasil? Natural de Caxias do Sul, Tite teve uma carreira curta como atleta. Médio construtor de jogo, não tinha na habilidade o seu maior trunfo. Era duro q.b e acima de tudo um líder dentro do campo, mas aos 28 anos, após sucessivas lesões no joelho, colocou um ponto final na carreira de jogador. O seu perfil como treinador começou a ser definido nessa adversidade. “A minha maior glória como atleta não está ligada a títulos, mas à capacidade de superação após seis ou sete cirurgias. De ter persistência e não me deixar levar por um caminho amargo”, confessou em 2015.

Afastado dos relvados, apostou na sua formação – é licenciado em Educação Física -, e em 1990 aceitou o convite para ser adjunto no Grémio Atlético Guarany, equipa da cidade de Garibaldi. Com a saída do técnico principal do modesto clube do Rio Grande do Sul, assumiu o comando principal a cinco jornadas do final do campeonato. As quatro vitórias alcançadas foram o presságio de uma carreira de sucesso. Tite, no entanto, demorou a afirmar-se na elite brasileira. Começou a ganhar visibilidade em 2000, quando levou de forma surpreendente o Caxias ao título gaúcho, e no ano seguinte passou a ser reconhecido a nível nacional, após conquistar com o Grémio a Taça do Brasil.

Seguiu-se a liderança do São Caetano, mas em 2004 Tite entrou num barril de pólvora chamado Corinthians. Num primeiro ano, ainda tirou o “gigante” de São Paulo de perto dos lugares de descida, acabando em 5.º lugar. Porém, com a entrada da Media Sports Investment  (MSI) na gestão do Timão, surgiu o choque com Kia Joorabchian. O empresário anglo-iraniano, presidente da MSI, colocou no Corinthians jogadores como Tévez, Mascherano ou Roger, mas procurou interferir nas opções de Tite na escolha dos “onzes”. O treinador impôs-se e não permitiu, afirmando que no balneário era ele que mandava. Foi despedido.

Seguiram-se passagens sem sucesso pelo Atlético Mineiro, Palmeiras e Internacional, e aventuras pelo Médio Oriente (Al Ain e Al-Wahda), até que em 2010 voltou ao Corinthians, onde em 2012 venceu a Copa dos Libertadores e o Mundial de Clubes. Acabou por não renovar pelos paulistas no final de 2013, tirando de seguida um ano sabático. Com o descalabro do Brasil no Mundial 2014, Tite surgiu como candidato a substituir Scolari, mas a CBF escolheu Dunga. “Eu tinha sido campeão de tudo. Estava entre os três ou quatro técnicos que mereciam. Fiquei na expectativa, quando vi que não era eu o escolhido, fiquei frustrado. Mas durou sete dias”, revelou mais tarde.

No final de 2014, acabou por voltar ao Corinthians, onde conquistou o Brasileirão em 2015, e aí a sua reputação já tinha ultrapassado as fronteiras brasileiras. No final da época 2015-16, Pinto da Costa contactou o seu empresário, Gilmar Veloz, oferecendo-lhe o lugar que tinha sido até aí de José Peseiro, mas Tite rejeitou: “Nada me demovia daquele projecto [do Corinthians]. Não foram valores. Eu não queria nem falar.” A fidelidade ao Corinthians tinha, no entanto, uma excepção: duas horas depois de Dunga acertar a rescisão de contrato, Tite estava sentado à mesa com a CBF. As negociações prolongaram-se pela madrugada e ao nascer do dia os brasileiros tiveram a notícia que ansiavam: Tite era o novo seleccionador do Brasil.

Sugerir correcção
Comentar