Um conselho para o próximo líder do PSD

O PSD terá de fundar a sua estratégia numa visão alternativa para um país melhor, e não numa alternativa para o caso do país ficar pior.

Vi há muitos anos um genial cartaz publicitário instalado à beira de uma estrada. No primeiro plano da imagem havia uma foca. A meio do plano, outra foca. Ao fundo, quase apenas visível como um pontinho no horizonte, lá estava a forma inconfundível de uma terceira foca. E o slogan do cartaz?

“Foca a todas as distâncias”.

Era um anúncio a uma marca de lentes progressivas.

Quando ouço alguns políticos e comentadores da direita portuguesa, principalmente da área do PSD, penso às vezes estar perante uma versão desse cartaz. Só que para lentes regressivas. No primeiro plano, estaria um diabo. Num plano intermédio, outro diabo. Lá ao fundo, um terceiro diabo. O diabo faz sempre parte do horizonte de expectativas da nossa direita, de uma maneira ou de outra, com Passos Coelho ou sem ele.

A única diferença está na hora estimada para a chegada do mafarrico. Para os crentes da primeira hora, o diabo chegaria logo nos primeiros meses de governação de António Costa sob a forma de um confronto “à grega” com as instituições europeias (curiosamente, uma parte da base partidária de apoio à geringonça também assentava a sua tática nesta premissa, e depois percebeu que sem “diabo de Bruxelas” não se libertará tão cedo de ter de contribuir para a governação do país). Quando se cansaram de esperar pelo “diabo de Bruxelas”, os políticos do PSD viraram as suas esperanças para o que poderíamos chamar o “diabo da geringonça”, ou seja, a esperança de que um dia o BE ou o PCP rompam com o PS (para verem porque é uma esperança vã, regressem ao parêntesis anterior: sem conflito com Bruxelas, não há alternativa que permita a um partido de esquerda romper com a governação sem ser dolorosamente punido pelo seu eleitorado a seguir).

Agora que começa a entrar na cabeça da direita que não vai haver diabo na geringonça, os políticos da direita atiram com uma outra possibilidade para um horizonte mais longínquo: o diabo chegará fatalmente quando a governação de esquerda nos conduzir (como eles acreditam) a uma nova crise.

Esta é uma crença especialmente preocupante agora que o anúncio de não-recandidatura de Pedro Passos Coelho abriu a corrida a uma nova liderança no PSD. A direita portuguesa continua a basear a sua estratégia em uma de duas ideias, e ambas delas são más. Ou acreditam que só chegam ao poder porque o PS e a esquerda vão revelar ser incompetentes; ou acreditam que só chegam ao poder porque uma desgraça está para atingir o país nos próximos dois a seis anos.

Mas se a direita aguçasse o ouvido, entenderia que não é por acaso que António Costa começou recentemente a falar numa “década de convergência com a Europa”. Por muito que o nosso viés pessimista não o queira ver, não está para chegar uma crise a Portugal nos próximos anos porque todos os esforços europeus estão concentrados em evitar uma nova crise na zona euro. Por outro lado, não é todas as décadas que pode voltar a haver “a maior recessão desde a Grande Depressão”. Quanto maior for a distância entre o catastrofismo da oposição e a relativa normalidade da governação, mais zangados ficarão os portugueses com o PSD e a direita.

Em consequência, terá maiores hipóteses de ganhar o país o candidato (ou candidata) à liderança do PSD que disser aos seus militantes aquilo que eles não querem ouvir: “caros companheiros, o diabo não vai chegar, nem hoje, nem daqui a dois anos, nem daqui a seis: se pensam que enxergam o diabo em qualquer ponto da perspectiva, do primeiro plano ao horizonte da década, corram para o oftalmologista”. O PSD terá de fundar a sua estratégia numa visão alternativa para um país melhor, e não numa alternativa para o caso do país ficar pior.

Como? Esse é o vosso trabalho de casa. Mas não fiquem na esperança de que os outros não entreguem o trabalho de casa deles.

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