Gerard Piqué, o futebolista no centro da tempestade

Defesa catalão assobiado e insultado pelos adeptos da selecção espanhola por ter tomado posição a favor do referendo à independência.

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Gerard Piqué LUSA/RODRIGO JIMENEZ

Ouvir assobios quando está ao serviço da selecção espanhola não é uma novidade para Gerard Piqué. E não, não é dos adeptos adversários: são os próprios apoiantes da equipa de Espanha que apupam o defesa do Barcelona, campeão mundial (2010) e europeu (2012) pela “roja”, pela qual se estreou em 2009 e que já representou em 91 ocasiões, tendo marcado cinco golos. O antagonismo começou a ser construído sobre as tiradas irónicas de Piqué em relação ao Real Madrid, mas galopou com o posicionamento assumido publicamente pelo futebolista, favorável à realização de um referendo sobre a independência da Catalunha.

Piqué nunca se manifestou a favor da secessão – mas também não escondeu a indignação com o uso exagerado da força pelos elementos da Polícia Nacional e da Guardia Civil enviados pelo Governo de Madrid para a Catalunha a propósito do referendo de domingo. Na segunda-feira publicou na rede social Twitter um vídeo onde se viam agentes da Polícia a disparar balas de borracha sobre pessoas que se concentravam na rua em Barcelona, no domingo, sem provocação aparente. O vídeo era acompanhado de uma frase da vice-presidente do Governo de Rajoy, Soraya Sáenz de Santamaría: “Actuaram com profissionalismo e de modo proporcional e proporcionado”.

Na véspera Piqué tinha-se emocionado no final do jogo do Barcelona contra o Las Palmas, em Camp Nou, disputado no dia do referendo e à porta fechada por não estarem reunidas condições de segurança, lamentando as cargas policiais sobre pessoas que só queriam votar. Questionado sobre o seu empenho relativamente à selecção espanhola, o defesa garantiu sentir condições para continuar, mas também se mostrou disponível para sair se a sua presença fosse um problema: “Acho que posso continuar porque há muita gente em Espanha que está em total desacordo com estes actos, se não, não ia. Mas se alguém pensar que sou um problema ou que incomodo, não vejo inconveniente em deixar a selecção antes de 2018.”

Segunda-feira, após fazer a tal publicação no Twitter, Piqué juntou-se à selecção espanhola para cumprir o primeiro treino de preparação para os jogos com Albânia e Israel. Numa sessão de trabalho aberta aos adeptos, a recepção das bancadas ao defesa do Barcelona (que não é o único catalão nesta convocatória, também lá estão Jordi Alba, Marc Bartra e Sergio Busquets) foi inflamada: assobios, gritos, apupos, cartazes e insultos: “Piqué, cabrão, Espanha é a tua nação”, “Piqué, cabrão, fora da selecção” foram algumas das coisas que ouviu.

Julen Lopetegui, ex-treinador do FC Porto e actual seleccionador espanhol, sentiu necessidade de colocar água na fervura: “Fechar o treino teria sido contraproducente. Só peço às pessoas um pouco de sensatez”, afirmou o técnico, que no treino de ontem, sem adeptos nas bancadas, reuniu os jogadores para serenar os ânimos.

“Piqué é um grande jogador, que deixa a pele em campo quando representa a selecção espanhola. Pode opinar o que entender. Outra coisa é pensar que está equivocado nas opiniões que expressa”, sublinhou o porta-voz do Governo, Íñigo Méndez de Vigo. “Nada justifica os insultos aos jogadores, ainda menos quando representam a selecção nacional. O desporto deve ser uma forma de união, estar acima das diferenças”, afirmou José Ramón Lete, presidente do Conselho Superior de Desporto espanhol.

Clubes em greve

Em dia de greve geral na Catalunha, os três clubes da região que disputam a Liga espanhola (Barcelona, Espanyol e Girona) associaram-se à paralisação, ainda que em diferentes graus. “O clube estará encerrado todo o dia e, portanto, tanto as equipas profissionais como as dos escalões de formação não vão treinar-se. As visitas ao Camp Nou e ao museu também não vão realizar-se”, lia-se num comunicado do Barça.

O Girona também anunciou a suspensão dos treinos e o encerramento das suas instalações, num curto comunicado em que condenava “as acções violentas e repressivas de domingo na Catalunha”. Já o Espanyol, rival do Barcelona e tradicionalmente visto como emblema centralista, garantiu “respeitar escrupulosamente a posição pessoal de todos os seus trabalhadores em relação ao exercício individual de aderir à greve”. O clube manteve a “necessária sessão de recuperação física” da equipa principal e, em comunicado, sublinhou: “A situação que se vive na Catalunha entristece-nos e emociona-nos a todos, os desportistas, dirigentes e profissionais desta casa”.

Com os acontecimentos de domingo ainda frescos na memória, continuam as críticas ao presidente do Barcelona, Josep Maria Bartomeu, por não ter cancelado o jogo contra o Las Palmas, que foi disputado à porta fechada. Dois elementos da direcção demitiram-se e, segundo a imprensa espanhola, houve divisão no balneário, com uma minoria dos jogadores – liderada por Piqué – a defender que não se disputasse o encontro, apesar das sanções desportivas e económicas previstas, enquanto outro grupo era favorável a ter adeptos nas bancadas.

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