Negócios internacionais: novas realidades

Nada substitui o bom senso e a lucidez estratégica na definição de prioridades externas para a economia e as empresas portuguesas.

No novo contexto do mercado livre global, a internacionalização de negócios transcende imenso os meros (e potencialmente voláteis) fluxos de exportação e transforma-se numa dinâmica muito complexa, repleta de novos perigos e de novas oportunidades. A visão estratégica é vital, como o é o (real, muito real) conhecimento do mundo. Mas é também indispensável a preparação técnica específica sobre novos modelos de negócio.

É igualmente crucial conhecer-se (em si mesmas e comparativamente) as particularidades do ambiente de negócios em cada país. Os erros que mesmo grandes empresas cometem, por exemplo, ao tentar internacionalizar-se na China, conduz a grandes perdas que podem ser dramáticas. A ligeireza das decisões pode resultar muito cara.

Na China, a heterogeneidade entre províncias é grande, quer em condições para produção (e distribuição) quer em potencial endógeno de consumo. Existe uma diferença gigantesca entre localizar um determinado negócio em Guangdong, em Yunnan, em Sichuan ou em Shandong. Neste país foi baixado um conjunto de fasquias para a entrada de operadores estrangeiros, mas é necessário conhecer bem os critérios que podem ditar a aprovação ou a proibição. Diversos tipos de joint ventures possuem um enquadramento legal distinto. Os CJV (joint ventures contratuais) constituem uma fórmula adequada a muitos projetos, mas existem imensas limitações em função do perfil de cada projeto.

É importante a noção de como se captam recursos humanos em cada país. Na indústria da Índia, o custo em pessoal representa tipicamente 20-40% dos custos de produção. Em algumas regiões da China, os quadros das empresas usufruem de salários que são já muito mais elevados que os praticados em Portugal. As assimetrias destes custos e destas capacidades devem ser previamente compreendidas e previstas.

Existe uma infinidade de fatores que devem ser tidos em consideração (inclusive comparando entre países alternativos) para a internacionalização de negócios. Contudo, o cerne estratégico da operação tem que ser inteligente. Por exemplo, uma joint venture na China deve ser diferente consoante se pretenda cobrir o mercado chinês ou nele produzir para cobrir outros mercados regionais ou de outros continentes.

Embora o atual mercado global facilite, como nunca no passado, o acesso de pequenas empresas portuguesas aos mercados internacionais, a maioria destas ainda não possui a destreza, o treino e o conhecimento necessários para dar esse passo. As empresas maiores possuem uma maior capacidade de internacionalização mas, apesar disso, muitas estão ainda pouco maduras na definição de estratégias complexas de negócios internacionais. Muitas têm efetuado grandes operações de internacionalização que acabam por soçobrar porque foram erradamente conceptualizadas desde o início.

Para muitas empresas exportadoras, a escolha de mercados para expansão externa de negócios é, em geral, um ato casuístico, não o resultado de uma definição estratégico no quadro dos muitos mercados do mundo. Ao longo de anos, a forte mediatização de Angola como mercado miraculoso dominou as atenções empresariais.

Angola é, realmente, um mercado de negócios com interesse, num momento angular de crescimento económico de um país onde falta quase tudo. Mas por que motivo se formou esta quase histeria relativamente a Angola, como se o resto do mundo fosse comparativamente marginal?

Sem subvalorizar a interessante oportunidade de negócios em Angola, devemos, num planeta com mais de 200 países, manter uma visão estratégica e global. Angola é apenas a 65.ª economia do mundo, com uma dimensão comparativamente modesta. A Argélia tem uma economia com uma dimensão mais que tripla da de Angola, a da Malásia é 4,5 vezes maior, a do Egipto, da Polónia ou a do Vietname é tripla, a do Paquistão é dez vezes superior e a do México é 12 vezes maior que a de Angola. Porquê esta recente obsessão com Angola, como se o resto do mundo fosse desinteressante para os negócios portugueses? Não faz sentido, objetivamente.

Não está errado aproveitar o potencial de negócios em Angola. Pelo contrário. O que faz pouco sentido é Portugal olhar algumas árvores perdendo a noção de que o bosque global de negócios é muito extenso e repleto de excelentes oportunidades (e competidores). Este é um dos problemas da economia portuguesa, o voluntarismo externo gerido mais por impulsos que por estratégias consistentes. Quando um governante português se desloca a um outro país projeta-se a imagem desse país como deslumbrante solução suprema para a nossa economia. Falta a sensatez e a perceção do mundo.

Em geral, a Europa perde presença na economia de África, enquanto os Estados Unidos aumentam a sua e a Ásia conquista um papel poderosíssimo. Entre 1990 e 2008, a quota da Europa no comércio externo de África baixou de 51% para 28%, enquanto a da Ásia duplicou, ultrapassando a quota europeia.

A China é um fortíssimo investidor em África, com um poder que nem a Europa inteira está a conseguir contrariar. Quase 80% do financiamento para infra-estruturas em África chega da China. Mas também países como a Índia, o Brasil e os Estados Unidos conquistam posições na economia africana com uma pujança impressionante. O investimento estrangeiro que chega a África é já superior ao volume da ajuda internacional recebida.

Enquanto há três décadas pouco mais de um quarto da população africana vivia em zonas urbanas, agora essa percentagem é superior a 40%, o que origina novos padrões de concentração de consumo. Nos próximos cinco anos entrarão na classe média africana mais 200 milhões de consumidores. Em resumo, Angola é relevante mas é uma peça num quadro muito mais vasto e muito mais importante do continente africano.

África, por sua vez, é uma peça no panorama muito mais abrangente e mais rico do mercado global, no qual a Ásia é a nova estrela, no qual os Estados Unidos são a maior economia e a União Europeia é a grande região do mundo com pior desempenho no plano do crescimento económico.

Enquanto a classe média (a base de consumo e de sustentação económica) está praticamente em ligeiro decréscimo nos países desenvolvidos da Europa, no mundo a classe média global está a aumentar, em cada seis anos, em cerca de mil milhões de consumidores, o dobro de toda a população da União Europeia. Mas desse astronómico surgimento de novos consumidores, quase 90% forma-se na Ásia. Afinal, Angola, apesar do interesse, está longe de ser um deslumbramento no contexto das gigantescas novas oportunidades mundiais para novos negócios.

Nada substitui o bom senso e a lucidez estratégica na definição de prioridades externas para a economia e as empresas portuguesas.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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