Sócrates falha mais uma tentativa de levar magistrado a tribunal

Supremo Tribunal de Justiça alega que defesa do ex-primeiro-ministro não apresentou elementos para consubstanciar que o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sabia que estava a proceder contra a lei quando disse que ele tinha cometido "factos ilícitos".

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Sócrates alega que declarações de António Ventinhas são difamatórias LUSA/ANTÓNIO COTRIM

À semelhança do Tribunal da Relação de Lisboa, também o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou a intenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates de levar a julgamento o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, pelo crime de difamação agravada.

Em causa estão declarações do sindicalista à comunicação social, proferidas em Dezembro de 2015. Na sequência de fortes críticas do antigo primeiro-ministro, durante uma entrevista, à forma como a chamada Operação Marquês estava a ser conduzida pelo Ministério Público, o dirigente sindical respondeu que "o principal responsável pela existência deste processo tem um nome, e esse nome é José Sócrates, porque se não tivesse praticado os factos ilícitos este processo não teria acontecido”.  

Num acórdão assinado a 28 de Setembro, a que o PÚBLICO teve acesso nesta segunda-feira, o STJ não se pronuncia sobre o teor das declarações de Ventinhas, mas tão só sobre os fundamentos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) em arquivar o processo, da qual a defesa de Sócrates recorreu para o Supremo.

E o STJ concluiu a este respeito o mesmo que a Relação já tinha afirmado: existem falhas formais no processo apresentado pela defesa de Sócrates que impedem que o caso seja atendido. Mais concretamente, explicita o STJ, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos avogados do ex-primeiro-ministro no TRL, depois de este ter decidido arquivar o caso, não obedece ao modo como aquele documento deve ser formulado e que “está assente, há muito, na jurisprudência”.

O que estava então em falta? O requerimento de abertura de instrução, a que o STJ chama de “acusação alternativa”, não contém “os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime”. No caso, não foram alegados factos que consubstanciem “a consciência de ilicitude” por parte de Ventinhas.

Ou seja, os advogados deviam ter apontado ao Tribunal da Relação que indícios havia de que o sindicalista tinha noção de estar a violar a lei quando fez as polémicas declarações – apesar de se tratar de um jurista.

No seu recurso, a defesa de Sócrates alegou, a este respeito, que os factos apresentados, referentes às declarações públicas de Ventinhas, eram suficientes para o tribunal ter entendido que este “agiu de forma livre, voluntária ou deliberada, conscientemente e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei”.

O tribunal assim não o entendeu, sustentando que “ de forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objectivos”.  

Lembrando uma frase do autor britânico Timothy Garton Ash, num seu livro sobre a liberdade de expressão em que considera que “o contexto é tudo”, o STJ defende que nas circunstâncias deste caso “haveria um importância acrescida” na apresentação de elementos referentes à “consciência da ilicitude” por parte de Ventinhas.

No acórdão do STJ recorda-se que o TRL considerou, em Janeiro, que “parte das afirmações proferidas [por Ventinhas] se traduzem em factos constitutivos dos elementos objectivos do crime de difamação agravada”, uma decisão que não foi objecto de recurso por parte da defesa de Sócrates, não tendo por isso sido analisada pelo Supremo que se limitou a apreciar se o requerimento apresentado pelos advogados do ex-primeiro ministro cumpria os requisitos formais.

José Sócrates apresentou também queixa ao Conselho Superior do Ministério Público, que concluiu não haver razões para condenar Ventinhas: “As declarações foram proferidas num contexto de tensão verbal muito expressiva, como resposta a uma entrevista em que a integridade do Ministério Público foi posta em causa”, justificou aquele conselho.

Contactado pelo PÚBLICO, António Ventinhas não quis comentar a decisão do STJ. Pedro Delille, um dos advogados de José Sócrates, informou que ainda não foi notificado, pelo que só fará eventuais comentários depois de conhecer a decisão do STJ.

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