Via verde para Costa

O PSD está a ruralizar-se e a conquistar, sobretudo, concelhos mais pobres e envelhecidos. Para quem quer ser alternativa ao Governo, é muito pouco.

Ao contrário do que geralmente sucede nas eleições em Portugal, tirando, por razões óbvias, as para Presidente da República, os partidos acabam por arranjar maneiras mais ou menos estapafúrdias de verem sobreviventes em campos de mortos. As autárquicas deste domingo fugiram à regra.

A queda do PSD é significativa. Já contando com as coligações, partia de uma base de 106 presidências de câmara, arrecadando, agora, 94, considerando essas mesmas condições. Dir-se-ia que menos 12 edis municipais não é desastroso. Todavia, as câmaras não são todas iguais e as previsíveis derrotas retumbantes em Lisboa e Porto mostram um partido, com excepção de algumas capitais de distrito como Braga e Viseu, influente, no essencial, no interior Norte e Centro. O PSD está a ruralizar-se e a conquistar, sobretudo, concelhos mais pobres e envelhecidos.

Para quem quer ser alternativa ao Governo, é muito pouco. Passos Coelho reagiu com assinalável elevação e não deixou a culpa morrer solteira. Abriu a porta da saída, e sem querer fazer futurologia, tanto mais que é conhecida a sua teimosia — ou obstinação, como diriam outros —, o mais sensato para o próprio e para o partido seria que o actual líder se não candidatasse às próximas directas. Ficaria o espaço livre para os fantasmas que andam por aí, a começar por Rio, Rangel ou Morais Sarmento. É a hora de avançarem ou de se remeterem aos papéis que ocupam. Veja-se que António Costa alinhou pelo mesmo plano messiânico durante vários anos (menos, também, António Vitorino) e apareceu in extremis. Mais alguns meses e nunca mais seria secretário-geral do PS.

Exige-se reflexão profunda num PSD que ainda não aprendeu a lidar com a “geringonça” e a aceitar que a mesma completará a legislatura. A CDU — camisola eleitoral do PCP e de uma triste realidade “verde” em Portugal —, com o seu dogmatismo, nunca admite derrotas. Mas perdeu 11 câmaras — apenas menos uma que o PSD, a solo ou coligado — nas suas clássicas zonas de implantação. Não desconhecendo fenómenos especificamente locais, penso ser esta uma das principais leituras que saem da noite eleitoral. O PCP lida mal, nos seus interstícios, com a actual solução governativa, que contraria o seu ADN. E sabe bem que nas próximas legislativas será penalizado. Más notícias para Costa? Com mais ou menos barulho, tudo tranquilo, pois precipitar o fim da actual maioria que suporta o Governo seria entregar já a maioria absoluta ao PS.

PCP e PEV estão amarrados a Costa. O BE um pouco menos. Não tinha quase nada a perder nestas eleições, por não deter qualquer câmara, mas aumenta o número de mandatos e pode ser decisivo em Lisboa com Medina a não atingir a maioria absoluta. Na verdade, os parceiros da coligação parlamentar de facto não ignoram que, salvo graves imprevistos, o PS vencerá com maioria absoluta as próximas legislativas e a Costa só beneficia o diálogo com os compagnons de route. A proximidade ao Governo acabará por secar mais a CDU do que o BE nesse acto eleitoral. Jerónimo não tem motivos para sorrir.

Triste a declaração de Rui Moreira, ressabiado, justiceiro, quando se esperava de um protagonista único de uma candidatura muito difícil, com “Selminho” à mistura, uma postura de estadista, de que o Porto tanto necessita. Foi de mestre tirar o tapete a Pizarro no momento certo. Também por isso, Moreira devia ter resistido à natural vontade de se queixar dos adversários que se esconderam atrás de um neófito Álvaro Almeida.

Cristas tem razões para sorrir. Conquista mais uma câmara que em 2013 (passa para seis), não contando com as coligações, e ganhou a aposta em Lisboa. A líder fez prova de vida e calou críticas internas. Foi arrojada na aposta e saiu vitoriosa. Sobretudo, o CDS deu o “grito do Ipiranga” face ao seu anterior parceiro de coligação a nível do Governo e prepara-se para as eleições legislativas sozinho, garantindo que o seu espaço ideológico é sempre mais autónomo quando o PSD está em queda acentuada.

As candidaturas independentes sobem ligeiramente — de 13 para 16 —, no que parece ser uma tendência que veio para ficar. Já agora, quando terão os partidos coragem de abrir a Assembleia da República a movimentos de cidadãos? Vivemos numa democracia e não numa “partidocracia”, embora não embarque na diabolização dos partidos, mas entenda que um verdadeiro Estado de Direito deve prever, a todos os níveis de poder, essa via de participação cidadã mais directa.

Nota positiva para a diminuição da abstenção. Mesmo assim, há cerca de 3.955.000 eleitores que se desinteressam das eleições que mais directamente influem no seu dia-a-dia. Perdem, assim, autoridade moral para a “síndrome do eterno queixume” de que Portugal é campeão.

A vida corre de feição a Costa, por via da conjuntura económica e do mérito próprio, sobretudo de negociador e de excelente leitor da realidade política. E Marcelo vai dando uma ajuda enquanto isso não contaminar o selfieman que, no essencial, está a ser bem melhor que as expectativas iniciais, embora amiúde traído por um hiperactivismo desnecessário. Costa e Marcelo, para já, são grandes compinchas. Tudo aponta para que o sejam até ao fim da legislatura e depois do seu horizonte. Quem diria que o poder os transformaria em “camaradas”?

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