Um domingo, dois votos

Se há uns tempos se discutia em Portugal a possível “pasokização” do PS, está mais do que claro que vamos passar os próximos tempos a discutir a “passocoelhização” do PSD.

Uma eleição em normalidade é sempre um pequeno milagre democrático. Ainda para mais num dia de eleições locais, aquelas em que por definição mais cidadãos têm oportunidade de ser candidatos. E ser candidato é uma experiência que — quanto mais não fosse por razões pedagógicas — deveria ser estendida a toda a gente que à mesa do café ou nas redes sociais comenta sobre política. Para quem é ou foi cabeça de lista, em particular, a experiência é sucessivamente esgotante, entusiasmante, acabrunhante e recompensadora. Percebemos o que não sabemos sobre os outros e sobre nós próprios, o que ainda não conhecemos sobre a vida dos nossos concidadãos, e — às vezes — também nos calha perceber o quão artificioso pode ser o nosso semelhante quando se trata de nos passar a perna. Tudo faz parte.

Toda a gratidão, pois, aos muitos milhares de portugueses (excetuados os que fizeram do desrespeito pelos direitos fundamentais a sua plataforma) que passaram os últimos meses e semanas criando equipas, discutindo estratégias, encontrando candidatos até nas terras mais despovoadas, e depois fazendo campanha e trocando ideias das maneiras que melhor sabem e podem. Tenham perdido ou vencido: muito obrigado a todos.

Graças à normalidade destas eleições portuguesas, podemos dar-nos ao luxo de passar os próximos dias discutindo política caseira. Fernando Medina ganhou em Lisboa com um dos melhores resultados de sempre na capital, após três eleições sucessivas ganhas pela mesma maioria plural liderada pelo PS, e num momento em que a maioria de governo é de esquerda. É por isso um dos grandes vencedores da noite, um dos primeiros políticos da sua geração a autonomizar-se como líder de executivo e político nacional. Rui Moreira ganha de novo a segunda maior cidade do país à cabeça de um movimento independente. É um caso cada vez mais único, de uma relevância nacional (especialmente à direita) que um dia se saberá se ele quererá usar ou não. De passagem, António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins são também vencedores da noite e mesmo mais do que isso: ao contrário do que é hábito em Portugal e em todo o mundo, as eleições autárquicas não serviram para punir a maioria governativa. Boas notícias para a esquerda, más notícias para a direita.

O CDS, pelo seu lado, vai clamar vitória. Assunção Cristas teve um bom resultado em Lisboa e ultrapassou o PSD. Mas o que significa isso, para lá da rivalidade fratricida com o PSD? Lamento, mas nada. O CDS pode ter três vereadores: os mesmos que tem o movimento Cidadãos por Lisboa, de Helena Roseta, de quem pouca gente falou nesta campanha. Em freguesias de Lisboa, o CDS contará pouco ou nada. Para os comentadores, claro que o CDS ultrapassar o PSD tem importância. Para quem quer contar na vida dos cidadãos, não se percebe qual.

Até porque ultrapassar o PSD não parece, à hora a que escrevo, nada de tão invulgar assim. Segundo pelo menos uma sondagem, o PCP pode ultrapassar o PSD em Lisboa e estaria dentro da margem de erro para o fazer no Porto. Se há uns tempos se discutia em Portugal a possível “pasokização” do PS, está mais do que claro que vamos passar os próximos tempos a discutir a “passocoelhização” do PSD. O partido que andou os últimos dois anos a proclamar que ganhou as últimas eleições teve hoje um banho de realidade. Ou muda de estratégia, e provavelmente de liderança, ou os portugueses esquecem-se dele.

Para terminar, não podemos nós esquecer o que se passa do outro lado da Península. O Governo espanhol poderia ter lidado com o referendo catalão não reconhecendo o processo nem o resultado. Tinha legitimidade para tal. Mas não tem legitimidade para desrespeitar os tratados europeus e as convenções internacionais de que faz parte e reagir com força desproporcional a um exercício que carecia de base legal. Mais uma vez, a arrogância de Rajoy e do PP espanhol entregou os pontos: não só se arrisca a perder de vez a Catalunha, como terá certamente perdido a opinião pública europeia e internacional. Voltaremos, é claro, a este tema.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários