Transvases ilegais ou especulação hídrica? O que se passa no Tejo?

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Foz do Tejo DANIEL ROCHA

Os alertas já vinham de trás, do início do mês de Agosto, quando o diário espanhol El Mundo noticiou que “o rio Tejo está a morrer” e que enfrentava uma das maiores secas dos últimos 20 anos. Alguns meses depois, o mesmo jornal publica outro aviso, feito ainda de incertezas, mas já com um nome: houve especulação hídrica junto das comunidades da cabeceira do rio Tejo ou transvases ilegais? Certo é que já houve demissões – e o presidente da Confederação Hidrográfica do Tejo acabou demitido. Faltará saber que impacto é que estas movimentações do outro lado da fronteira poderão ter no rio Tejo, sabendo-se que os ambientalistas em Portugal há muito alertam que só o facto de existir um transvase entre os sistemas hídricos do Tejo e de Segura é um facto negativo.

A história é contada pelo El Mundo, que relata o transvase feito “às escondidas” de mais de dois hectómetros cúbicos de água no aqueduto Tejo-Segura a uma velocidade de dez metros cúbicos por segundo. Este aqueduto tem estado sem qualquer utilização desde Junho, por causa da já citada seca, pelo que foi notório o arranque da sua utilização, na sexta à noite.

O alerta foi dado pela Plataforma de Defesa do Tejo e de Alberche e aumentou de tom quando, no sábado de manhã, o volume do transvase já atingia os 20 metros cúbicos de água bombeada por segundo – “a capacidade máxima que permite aquele canal”, lê-se na reportagem. Foi só no sábado à noite que o sistema deixou de funcionar, de novo.

Com o nível de reserva das albufeiras da cabeceira do Tejo muito abaixo do que seria habitual – as albufeiras de Entrepeñas (Guadalajara)  e de Buendía (Cuenca)  estão a menos de 10% da capacidade, com apenas 235,5 hectómetros cúbicos – os transvases têm de ser geridos com parcimónia. Terá sido um acordo entre as Comunidades de Regantes de Madrid e da Comunidade de Regantes do Levante que permitiu a passagem de quase dois hectómetros cúbicos de água, num acordo que a Junta de Castilla-La Mancha se apressou a classificar como ilegal. A conselheira de Fomento desta região, Agustina García Élez,  considerou que este transvase constitui “um ataque directo e realizado com aleivosia, com premeditação (...) por parte do Governo nacional e da Confederação do Tejo”. O Governo nacional, porém, e através do Ministério do Ambiente, limitou-se a dizer que a legislação estava a ser cumprida, nega a existência de um transvase, mas antes uma transacção, legal, entre particulares.

A especulação hídrica não está proibida por lei. E segundo o Memorando do Tejo, assinado em 2003 entre o Ministério do Ambiente e as comunidades autonómicas envolvidas, a cota mínima a partir do qual estão impedidos transvases em 2017 é de 368 hectómetros. “Não sabemos bem a quantidade exacta de água que levaram, e muito menos o preço que pagaram por ela. O emaranhado legislativo que rodeia a prática do transvase, e para a qual confluem muitas normas, permite ao Estado fazer praticamente o que lhe apetece”, acusa Miguel Ángel Sánchez, porta-voz da Plataforma do Tejo

Enquanto não se clarificam as questões jurídicas, sobram as especulações sobre a saída do presidente da Confederação Hidrográfica do Tejo, Miguel Antolín, que foi destituído um dia antes deste episódio, e por ter permitido um “transvase encoberto”, e um desvio de água com destino a Murcia.

Independentemente destas questões ainda por esclarecer, voltam a ganhar força as críticas dos ambientalistas que se têm batido por mudanças concretas. Em 2015, e depois de transvases semelhantes na cabeceira do Tejo, associações ambientalistas como a Geota alertaram para a necessidade de alterar a gestão da água na bacia hidrográfica do Tejo, referindo que a água das barragens da cabeceira do Tejo deveria “ser a chave para garantir os usos no início do Tejo e o seu bom estado ecológico”.

“A situação de todo o rio Tejo, e agora especialmente da sua cabeceira, é insustentável. Esta situação resulta de muitos anos de gestão irracional, liderados por pressões e interesses de outras bacias (como os dos utilizadores das águas do transvase Tejo-Segura), que somam um impacto exorbitante e injusto às pressões próprias de que a bacia do Tejo já padece (...). A existência do transvase Tejo-Segura condiciona toda a gestão do rio e impede que se tomem as medidas necessárias para inverter a sua deterioração e melhorar o seu estado. Esta gestão privou todos os cidadãos do Tejo e as suas povoações ribeirinhas de um património ecológico, social, cultural, paisagístico e económico de primeira ordem como é o Tejo e o resto dos rios desta bacia”, lê-se num comunicado divulgado então, em Setembro 2015.

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