Portugueses nunca gastaram tanto em automedicação

Ordem dos Farmacêuticos quer reduzir o número de medicamentos que se podem vender fora das farmácias. Apifarma valoriza autonomia dos cidadãos e diz que ela é benéfica para a saúde e para o SNS.

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PEDRO VILELA

Os portugueses estão comprar cada vez mais medicamentos não sujeitos a prescrição médica. Segundo dados da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde —  Infarmed, nunca se gastou tanto com automedicação. Nos primeiros três meses deste ano foram quase 78,5 milhões de euros, um aumento de 5,6% face ao mesmo período do ano passado. Também o número de embalagens ultrapassou as 10,7 milhões, mais 200 mil do que no primeiro trimestre de 2016.

Feitas as contas, no ano passado, os portugueses desembolsaram 291,4 milhões de euros em automedicação, um aumento de quase 45% se recuarmos ao início da década. E o correspondente a 11% do mercado total do medicamento.

Um quarto das 40,7 milhões de embalagens aviadas no último ano foi de analgésicos (medicamentos para reduzir a percepção de dor) e antipiréticos (para prevenir ou reduzir a febre).

A esmagadora maioria destes produtos é comprada nas farmácias, ainda que a venda de parte dos medicamentos não sujeitos a receita seja permitida noutros locais. Contudo, a compra em parafarmácias e similares, que foi uma tendência crescente na última década, caiu ligeiramente nos primeiros três meses deste ano, ficando abaixo dos dois milhões de embalagens (ver infografia).

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Ainda assim o mercado fora das farmácias — a maioria em grandes superfícies pertencentes aos grupos Sonae, Jerónimo Martins e Auchan — movimentou no ano passado mais de 8 milhões de embalagens e 48,6 milhões de euros, um crescimento de quase 70% em relação a 2010, mais quase 10% em relação a 2015.

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Foi em 2005 que entrou em curso a liberalização do mercado do medicamento, com a criação de uma lista de remédios não sujeitos a receita médica, que continua a ser actualizada. Hoje, há nesta lista mais de 2200 medicamentos.

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Só nas farmácias

Existem cerca de 10 substâncias activas cujos medicamentos não requerem receita, mas que, ainda assim, só podem ser vendidos nas farmácias. Um número que a Ordem dos Farmacêuticos quer aumentar. Ou seja, alguns dos medicamentos não sujeitos a receita médica que são vendidos noutros locais devem voltar a ser exclusivos das farmácias, defende João Almeida, da direcção nacional da Ordem.

Por isso, os farmacêuticos estão a ultimar uma proposta para entregar ao Infarmed que deverá ser entregue até ao final do ano. “O que procuramos fazer é actualizar a lista consoante critérios já adoptados noutros países”, explica João Almeida. Afinal, acrescenta, o mercado da automedicação em Portugal “tem muito mais medicamentos” quando comparado com a maioria dos países da Europa, o que significa que “os nossos critérios são mais relaxados”.

Por não terem “profissionais tão qualificados” atrás do balcão, a Ordem acredita que o risco de uso abusivo ou incorrecto de determinados medicamentos “é acrescido” quando estes são vendidos fora, em locais que não as tradicionais farmácias. João Almeida dá como exemplo os contraceptivos de emergência — a chamada pílula do dia seguinte — que comportam “riscos muito elevados se não forem administrados adequadamente”. Medicamentos que podem estar a ser dispensados em locais “sem a mínima vigilância”, alerta.

Já a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição vai em sentido contrário ao dos farmacêuticos. No início de Setembro, manifestou a expectativa do sector em alargar a lista de medicamentos não sujeitos a receita médica comercializados fora das farmácias. O PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso, a associação.

No ano passado existiam 1187 locais de venda fora das farmácias, contra 915 em 2010. Relativamente ao ano anterior, em 2016 havia mais 97 espaços destes. No mesmo período o número de farmácias estagnou, segundo dados da Portada, nas 2892.

Uma questão de autonomia

A Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) considera que a tendência de se comprarem mais medicamentos sem receita não tem implicações nefastas. Pelo contrário, afirma, em resposta escrita, que “a autonomia do cidadão nesta matéria, além do benefício para a sua qualidade de vida e de saúde, contribui também para uma utilização mais eficiente dos serviços públicos de saúde”.

A Apifarma acredita que ao canalizar a resolução de problemas de saúde menos graves pela via dos medicamentos sem prescrição são libertados recursos do Serviço Nacional de Saúde para casos de maior gravidade.

Uma situação que coloca a Associação de Farmácias de Portugal em alerta e a defender que estes medicamentos sejam apenas vendidos nas farmácias. A sua presidente, Manuela Pacheco, acredita que quem está atrás do balcão nas parafarmácias não tem competências para “aconselhar aos utentes a terapêutica e as dosagens correctas ou encaminhá-los para os centros de saúde ou hospitais, em caso de necessidade”.

“Esta ausência de profissionais qualificados pode colocar em causa o tratamento e constituir um risco para a saúde dos cidadãos” e, por isso, defende a sua retirada das parafarmácias e locais similares, sustentou em resposta escrita. Importa também, dizem as associações farmacêuticas, investir na literacia em saúde para que o cidadão tome decisões conscientes.               

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